CINCO DEDOS EM CADA MÃO
Conhecemos
a sinceridade do coração de uma pessoa pela forma como ela não sabe onde pôr as
mãos.
E
as mãos do semidesconhecido – diz-se “conheço-o de vista” – trouxeram-no até
mim, balançando entre a cabeça e os bolsos das calças largas. Mãos grandes e
desajeitadas, a quererem esconder-se porque – assim pensavam – escondendo-se,
esconderiam os pensamentos do dono delas. Cada uma das mãos tinha cinco dedos,
como quase todas as mãos do mundo. E isso não deixa de ser impressionante…
O
homem vinha pela esmola. Mas não sabia nada das palavras certas. Sabia que eu
sabia que, ao mais pequeno erro, ele iria cair no pote dos que já pedem por
profissão. Mas não inventou: Escondeu as manápulas de cinco dedos atrás das
costas, voltou a coloca-las à frente, palma da direita sobre costas da
esquerda, e, depois de mais um esforço para as domesticar no bolso, lá disse
que tinha perdido o emprego. Que não podia pagar a casa. E, com uma voz quase
tão doce como a de uma avozinha que reza ao menino Jesus, disse-me que estava a
ficar desesperado. Estar desesperado com uma voz suave era uma coisa séria. O
casaco que vestia dizia-me da sua seriedade: estava velho. Velho e digno, como
um cão que toda a vida foi fiel ao dono. E eu sem saber o que fazer diante
daquelas mãos grandes demais para caberem fora dos bolsos.
Confirmamos
a sinceridade de um coração pelo ritmo com que as lágrimas dançam nos olhos
antes de caírem. Ou, melhor, sem caírem de lá para baixo. Foi quando lhe
perguntei se tinha filhos. Primeiro baixou a cabeça para olhar as pontas dos
pés, que quase queriam vir também esconder-se nos bolsos. Depois virou a cabeça
para o lado direito… esquerdo. Os olhos avermelharam e marearam de uma forma
assimétrica, dançando com os movimentos da cabeça. Chegou então a altura
suprema em que a voz quer sair mas não pode, porque, em determinados momentos
da nossa vida, as lágrimas e a voz não dançam ao mesmo ritmo.
Claro
que tinha dois filhos. A menina a estudar. A mulher nas limpezas, a brigar com
ele porque há três meses não arranjava trabalho. E os dez dedos das mãos
regressaram atrás das costas, voltaram à frente dos olhos. As costas da mão
direita limparam os restos de lágrimas que ainda por lá andavam. Há poucas
coisas mais impressionantes do que um homem derrotado diante de outro homem. E
eu, que não tenho cordelinhos, não lhe podia ajudar em nada. Só dois homens
derrotados, um diante do outro.
A
família, célula da Igreja, instituição mais importante da sociedade, em
permanente transformação, foi, durante o Sínodo doe Bispos celebrado em Roma, o
centro de todas as atenções. Todo o mundo cristão – que, normalmente, para nós,
não passa das margens da Europa e da América do Norte – acalorado com o
acolhimento dos casais homossexuais e com a comunhão aos recasados. Foi aí que
se centrou o debate, mais fora do que dentro do Sínodo. Muitos esperavam uma
resposta contundente. Muitos rezavam para não se ferir a dignidade da família,
já tão devastada pela onda de divórcios, de barrigas de aluguer, de
monoparentais e de crianças que não vão à catequese.
Eu
creio que o maior atentado contra a dignidade da família é um pai não ter com
que dar de comer aos seus filhos.
Pe. Júlio Rocha
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