OS ROMEIROS DE SÃO MIGUEL

Inicialmente, a Páscoa era a festa de pastores, na qual se celebrava a passagem de estação. Mais tarde, os Hebreus fizeram da Páscoa a celebração da passagem da escravidão para a liberdade. A libertação do Egipto. Para os Cristãos é a festa principal do ano litúrgico, em que se comemora a Páscoa de Cristo, pela qual o povo escolhido tem, direito à vida eterna. Porém, o período que antecede a maior festa cristã, é propício à oração, à abstinência, ao sacrifício e, neste contexto, o espírito religioso dos micaelenses, através dos romeiros da Quaresma são um exemplo bem ilustrativo desta abnegação, do altruísmo e da oração pelo próximo.

Com características únicas no mundo cristão, os romeiros são grupos de fiéis que, na época quaresmal, percorrem a Ilha de S. Miguel em peregrinação, durante uma semana. Visitam todas as ermidas e igrejas de invocação à Virgem Maria, e podem igualmente entrar em outros templos católicos que se encontram no caminho, nomeadamente os de invocação aos Santos Padroeiros. Os primeiros grupos saem no Sábado, a seguir à Quarta-feira de cinzas e os últimos, arrumam-se na Quinta-feira que, antecede a Sexta-feira Santa.

Eles cantam e rezam em simultâneo, demonstrando um enorme espírito de sacrifício e de determinação em levar até ao fim um ritual que perdura há cerca de 500 anos. As suas origens remontam ao cataclismo que subverteu a primeira capital da ilha, Vila Franca do Campo, a 22 de Outubro de 1522, e que para sempre marcou a alma dos Micaelenses que, ainda durante o século XVI, viveram a experiência da erupção vulcânica na Lagoa do Fogo, a 25 de Julho de1563, e os terramotos que daí advieram.       Toda a ilha parecia desabar sobre os Micaelenses que buscaram proteção no divino, nas três pessoas da Santíssima Trindade e na Virgem Maria. Os romeiros de São Miguel integram-se nas romarias quaresmais e traduzem uma expressão popular que perdurou sem qualquer intervenção externa., mantendo-se, quase inalterada, ao longo dos séculos.

A saudação do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria começou a ser cantada na Ilha de S. Miguel, no séc. XVI, mas rapidamente se espalhou a outras ilhas açorianas e até chegou ao outro lado do oceano, nomeadamente ao Canadá que também está representado nesta época quaresmal com um rancho de romeiros.

Dos vários grupos de romeiros que percorrem caminhos de pé posto, atalhos, ruas, E estradas da ilha verde, os ranchos da Ribeira Grande são os maiores, talvez porque a alma dos “fuzeiros” foi, por diversas vezes, assolada por calamidades, marcando vincadamente a religiosidade dos Ribeira-Grandenses. Mas, o número de irmãos que compõem um rancho de romeiros não traduz a verdadeira dimensão de cada romaria, as famílias que os ajudam, a dispensa por parte das entidades empregadoras, as pessoas que os acolhem nas suas casas perfaz um pequeno mar de gente que se envolve para coadjuvar este fenómeno social de cariz religioso.

Para além da manifestação da fé religiosa, os romeiros são, igualmente, um exemplo da tradição folclórica, espelhado nas roupas e no próprio ritual da romaria.

O Xaile - Representa a túnica real de Jesus Cristo.

O Saco, vulgarmente designado por Cevadeira - Simboliza a Cruz

O Bordão Pesado - É o símbolo do ceptro real de Cristo

O Lenço - Representa a Coroa dos Espinhos

Mas nada acontece por acaso num rancho de romeiros a começar por quem os constitui pois, tal como Jesus disse…

“Não fostes vós que me escolhestes, fui Eu que vos escolhi a vós…” Jo 15, 16

“A CRUZ”

A cruz vai à frente porque Jesus diz…

“Segue-me!” Jo 1, 43

“O CAMINHO”

Os Romeiros caminham porque Jesus diz…

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém pode vir até ao Pai senão por mim” Jo 14, 6

“O RANCHO”

Os romeiros vão a lado, porque Jesus…

“Começou a envia-los dois a dois” Mc 6,7

“O MESTRE E OS IRMÃOS”

O mestre simboliza a figura de Jesus e os irmãos simbolizam os discípulos. O mestre é o responsável por todos os irmãos, e estes devem-lhe obediência, tal como Jesus disse…

“O discípulo não está acima do Mestre, nem o servo acima do Senhor” Mt 10, 24

“O BORDÃO”

Os Romeiros levam um bordão porque Jesus

“Ordenou-lhes que nada levassem a não ser um Bordão” Mc 6,7

“O PAI NOSSO”

Os romeiros rezam a oração que Jesus lhes ensinou…

“Rezai, pois assim “Pai-nosso que estais no Céu…” Mt, 9-13

“AVÉ MARIA”

Os romeiros cantam e rezam a Ave Maria pois, é a saudação do Anjo Gabriel à Mãe de Jesus e Nossa Mãe.

“Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo” Lc 1, 28

“A BENÇÃO DO ALIMENTO”

Os romeiros rezam e dão graças a Deus antes da partilha do pão pois Jesus ..

”..quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e , depois de o partir, entregou-o…” Lc, 30-31

“ A ORAÇÃO”

Os romeiros, tal como os discípulos, deixam a sua vida para trás para seguir Jesus, eles rezam por si e por todos, entregando-se às orações com a certeza de alcançar as graças pedidas.

“Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem na Terra para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de Meu Pai que está no Céu, pois onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, estou no meio deles.” Mt, 18, 19

“A PERNOITA”

Os romeiros pernoitam em casa dos irmãos sdas comunidades que os recebem porque Jesus disse…

“Permanecei em sua casa até partirdes. Ao entrares numa casa saudai-a” Mt 10, 11-12

“O REGRESSO”

Ao fim de uma semana de romaria, os romeiros regressam às suas comunidades onde vão dar testemunho da sua caminhada com cristo, pois são homens novos, renovados pelo Espírito Santo, pois Jesus disse…

“Eu renovo todas as coisas.”Ap 1, 5

Seja para sempre louvada a SAGRADA VIDA, PIXÃO, MORTE E RESSURREIÇÃO DE NOSSSO SENHOR JESUS CRISTO

HIERARQUIA

        O grupo de peregrinos, cujo número varia de paróquia para paróquia, obedece a uma hierarquia:

O Irmão Mestre - é o líder do grupo, o que é responsável por conduzir a romaria dentro do espírito de irmandade;

O Contramestre - para ajudar ou substituir o irmão – mestre;

O Encomendador - de Almas - que deve colectar as orações encomendadas pelas pessoas, em troca ele deve informar ao fiel quantos irmãos estão no grupo;

O Lembrador de Almas - figura que, no meio do cortejo, e na pausa do canto da Ave-maria entre, “o Senhor é convosco” e “bendita sois vós”, levanta a voz e enumera os pedidos feitos pelas pessoas;

O Guia - segue à frente de todos os romeiros, pois ele é quem conhece todo o caminho e todos os atalhos do trajeto que é previamente estabelecido;

O Despenseiro - que efetua as compras para os irmãos do grupo (algum bem alimentar ou de primeiros socorros), encomendado em estabelecimentos comerciais ou farmácias

O Menino da Cruz - encabeça o cortejo quaresmal, vai à frente, no meio das duas filas paralelas, feitas pelos restantes romeiros. Normalmente é uma das crianças mais jovens do rancho para simbolizar a inocência, a pureza de pensamentos, tal como Cristo afirmou “deixai vir até mim as crianças, porque é delas o Reino dos Céus”. Elas traduzem uma espécie de Anjo da Guarda para a romaria.

Antes da Romaria, cada romeiro tem de cumprir um determinado número de reuniões que o ajudam a se preparar espiritualmente para a longa caminhada que o espera e, nas quais, são lhes explicados os estatutos, o comportamento que devem ter na casa das pessoas que os irão acolher, têm a preparação dos cânticos eucarísticos, etc.,

Antes da peregrinação, cada peregrino confessa-se e deve manter a sua alma na graça de Deus durante toda a semana. Ele deve também rezar pela família cristã, participar na eucaristia diariamente e rejeitar tudo o que possa ser menos humano ou menos religioso.

Atualmente as romarias são constituídas por homens apenas, mas consta que já houve tempos em que as mulheres também incorporavam as peregrinações. No que diz respeito à idade, pode-se encontrar crianças desde os 7 anos até homens de 70 anos.

 Existem paróquias que o número de peregrinos ascende os 100, como é o exemplo de Rabo de Peixe com 120, Conceição da Ribeira Grande com 104. A saída ocorre, geralmente num Sábado, pelas 4 da manhã e recolhem-se no Sábado seguinte durante a hora da missa.

Á noite, recolhem-se na igreja da paróquia onde vão pernoitar, e, após assistirem à missa, são distribuídos pelo irmão-mestre pelas casas das pessoas que os irão acolher.

Desta forma, o irmão romeiro não é ó aquele que faz a caminhada pelas estradas micaelenses, são todas as famílias que, naquela semana, os ajudam, como também as pessoas que lhes dão a pernoita.
       
Cidália Costa

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