“A EXIGÊNCIA DO EVANGELHO É O QUE ME TIRA VERDADEIRAMENTE O SONO”
Pedro
Lima vai ser ordenado diácono no próximo domingo
É o único finalista do Seminário
Episcopal de Angra neste ano letivo. A caminho dos 24 anos, que completará em
setembro, Pedro Lima, natural do Faial, será ordenado presbítero ainda este
ano. Para já entra no diaconado, “uma etapa exigente” porque fazer “encarnar” a
mensagem do Evangelho no mundo atual “não é fácil” e exige “um trabalho pessoal
de conhecimento muito grande”. Numa entrevista ao Sítio Igreja Açores, o jovem
não poderia ser mais honesto: “O que me tira o sono é confrontar-me com a
exigência do Evangelho e saber se estou capacitado para encarná-lo no meio onde
me vou encontrar, com toda a liberdade e responsabilidade”.
Quem o conhece e com ele privou sabe
que a humildade aqui é mesmo uma característica identitária. A sua vocação
germinou nas Angústias, no Faial e foi discernida no Seminário. Lembra “todos
os que o ajudaram a crescer”, na fé e na missão e sublinha que a “vocação é uma
questão de felicidade e decisão”. A partir de segunda feira será o mais jovem
diácono na diocese de Angra.
Sítio Igreja Açores -
Entra numa fase crucial da sua
caminhada, com a ordenação diaconal. O que é que esta etapa significa para si?
Pedro Lima -
Esta etapa é um momento alto e desafiador que vai transformar toda a minha
caminhada de vida vocacional. Não é o fim de um processo de formação, mas o
ponto de chegada de uma caminhada espiritual e humana realizada desde alguns
anos e que vai partir no assumir uma atitude mais comprometida na Igreja.
Sítio Igreja Açores -
O Pedro tem cumprido o seu plano de
estudos de uma forma mais ou menos solitária na medida em que é o único aluno
do seu ano. De alguma tem sido vantajosa esta experiência?
Pedro Lima -
Apesar de ter uma personalidade mais reservada, nunca considerei que tivesse
sido uma caminhada solitária. Aliás, tive outro colega que me acompanhou metade
do curso do seminário. O facto de ter tido nestes 3 últimos anos um plano de
estudos como aluno único confesso que pode ter permitido uma maior confiança e
proximidade com o professor, mas com uma grande perda de partilha de
experiências.
Sítio Igreja Açores -
Se hoje pudesse mudar alguma coisa na
sua vida, o que é que mudaria?
Pedro Lima –
Não mudaria nada em concreto. Todas as experiências, positivas ou negativas,
contribuíram para o meu crescimento e amadurecimento.
Sítio Igreja Açores - Foi profundamente marcado na sua
adolescência e juventude pelo Monsenhor Júlio da Rosa. No domingo ele não
estará na Sé para ver um dos seus “discípulos”. Além desta falta de quem é que
vai sentir saudade especificamente neste dia?
Pedro Lima -
Vou sentir saudade de todas as pessoas que marcaram a minha caminhada e a minha
decisão vocacional na adolescência, nomeadamente da minha comunidade de origem
(Angústias) e os meus colegas da escola, cuja ausência será preenchida pela
presença da sua oração e pela amizade. Claro que também sentirei a falta de
alguns membros da família, pois seria impossível ter todos presentes na
celebração.
Sítio Igreja Açores - Que balanço faz desta sua caminhada?
Pedro Lima -
Nesta caminhada tenho a consciência de um grande amadurecimento não só
espiritual mas humano. A verdade é que os anos foram passando e a forma de
pensar e de me relacionar com os outros também foi-se moldando. Chegar a um
meio desconhecido e ter que interagir com as pessoas, ouvir os desabafos e
problemas de jovens que nem me faziam passar pela cabeça, a conquista de
amizades, o carinho e a preocupação das comunidades connosco são tudo
oportunidades que o seminário pode dispor para o nosso amadurecimento enquanto
pessoas.
Sítio Igreja Açores - Por estes dias e sendo um jovem do seu
tempo que preocupações tem?
Pedro Lima -
A minha preocupação é encontrar e ajudar todos aqueles que se cruzam comigo na
tarefa da busca de um sentido e de uma razão para a vida, no meio de uma
sociedade individualista e cómoda, despreocupada com o essencial e com os
valores. No meio disto tudo, ser testemunha da presença de Deus em todos os
âmbitos da vida.
Sítio Igreja Açores - Noutras palavras, o que é que lhe tira o
sono?
Pedro Lima -
O que me tira o sono é confrontar-me com a exigência do Evangelho e saber se
estou capacitado para encarná-lo no meio onde me vou encontrar, com toda a
liberdade e responsabilidade.
Sítio Igreja Açores - Já falámos sobre esta nova etapa, que é
muito séria. Assusta-o e condiciona-o as expectativas que as pessoas possam ter
sobre si?
Pedro Lima -
Sim. Talvez pela surpresa desta nova missão há sempre uma preocupação/ pressão
social e externa sobre nós, que até pode ser incentivadora e estimuladora. No
entanto, vou dar o melhor de mim e aquilo que sou.
Sítio Igreja Açores - Como é que vê o papel e a missão de um
padre?
Pedro Lima -
O padre é, por um lado, um pastor e, por outro, um discípulo. É pastor porque
está ao cuidado de um povo/comunidade, conhece-o e guia-o pelo melhor caminho
ao encontro de Cristo. Como discípulo, está na condição de servidor da
comunidade, preocupado com as suas inquietações e problemas, pronto a escutar,
a aprender e a caminhar com o seu “rebanho”.
Sítio Igreja Açores - Encaixa nesse perfil?
Pedro Lima -
Tenho vindo a formar-me e a crescer nesse sentido. Agora a prática pastoral é
que o vai ditar.
Sítio Igreja Açores - A partir de agora vai ser um “ministro” da
Palavra. O que é que mais receia?
Pedro Lima -
O ministro da Palavra ajuda a comunidade a encarnar a Palavra de Deus na sua
vida, como luz e bússola para a jornada. O receio é estar à altura do Evangelho
e ser o guia ou mediador desta Palavra para todos aqueles que me forem
confiados. Outro receio é estar à altura da comunidade, na medida em que é
necessário conhecer os problemas, as inquietações, anseios e a orgânica de vida
das pessoas, no dizer do Papa Francisco “cheirar às ovelhas”, para aí tornar
significativa a presença do Evangelho. Esta última tarefa é a mais difícil
porque exige um grande esforço de disponibilidade e humildade para ir ao
encontro da comunidade.
Sítio Igreja Açores - É comummente aceite que um padre, neste
caso, um diácono deve andar com a Bíblia numa mão e o jornal na outra, para que
a Palavra encarne na realidade e transmita uma mensagem atual. Está preparado,
ou melhor, neste tempo de estudos do Seminário preparam-no para isso?
Pedro Lima -
O Seminário prepara-me com toda a bagagem teológica para compreender a Palavra
de Deus, com todo o seu contexto e interpretação. Porém, o conhecimento da
realidade é um pouco de trabalho pessoal, dado que cada seminarista vive neste
mundo e deve fazer a ligação daquilo que aprende com a sua resposta na
sociedade e na vida de cada pessoa. A grande tarefa do padre é apresentar o
Evangelho e a pessoa de Cristo como proposta actual para hoje. É como ouvi uma
vez alguém a dizer: “soluções de hoje para problemas de hoje”.
Sítio Igreja Açores - O Seminário é também, em certa medida, uma
escola de vida, com uma formação pluridimensional. Volvidos seis anos, que
recordações transporta desta casa?
Pedro Lima -
Recordo com alegria a amizade dos colegas que foram passando por esta
instituição. Uma das riquezas de estudar no Seminário de Angra é sermos de
diferentes ilhas, com tradições e culturas diversas, que permite conhecer o
arquipélago numa perspetiva diferente. Quando somos mais novos temos sempre
algum elemento de referência e por isso recordo como modelo os meus colegas
mais velhos. Entre tantas outras que ficam na memória, destaco as várias
atividades que realizámos no agrupamento de escuteiros e na conferência
vicentina, um teatro que preparámos para os 150 anos do Seminário e o carinho
das pessoas nas várias paróquias da Terceira, por onde colaborei.
Sítio Igreja Açores - Se lhe propusesse um exercício de pastoral
vocacional em poucas linhas, que mensagem deixava aos jovens, faialenses, da
sua terra e aos açorianos em geral, para os cativar para esta missão?
Pedro Lima -
Vocação é uma questão de felicidade e decisão. Decidir seguir mais de perto o
exemplo de Cristo é uma grande aventura. Implica arriscar, escolher, optar,
confiar e, sobretudo, amar. Nunca esquecendo que o sinal mais visível do amor é
a Cruz, a entrega o viver para o outro.
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