OUVIDOR DA POVOAÇÃO EM ENTREVISTA AO AÇORIANO ORIENTAL

Nome: Ricardo Manuel Melo Pimentel, 37 anos, natural da Vila de Rabo de Peixe, ordenado sacerdote em Junho de 2003 na Sé Catedral de Angra, Pároco de Furnas e Ribeira Quente desde Setembro de 2009. Anteriormente, trabalhou na Ilha Terceira durante 6 anos. É Ouvidor Eclesiástico da Povoação desde Novembro de 2014 (Primeiro Ouvidor em 100 anos não natural do concelho da Povoação).
A Ouvidoria da Povoação é composta pelas seguintes Paróquias: Furnas, Ribeira Quente, Povoação, N.ª Sr.ª dos Remédios, Faial da Terra e Água Retorta. 
AO - Quais são, neste momento, os maiores problemas e desafios da Ouvidoria da Povoação?
PRP - Temos vindo a assistir, nas últimas décadas, a um envelhecimento progressivo da população. Por isso, penso que o grande problema desta zona é o envelhecimento das nossas comunidades e a saída dos nossos jovens formados para o estrangeiro e para os grandes centros urbanos da ilha. 

A Ouvidoria da Povoação, neste momento, acaba por ser a mais periférica da ilha de São Miguel, o que nos prejudica no que diz respeito a uma maior participação nos encontros formativos organizados pelos serviços de ilha. Os encontros são muito centrados em Ponta Delgada – o que não é de estranhar. Notamos que tem havido um esforço dos serviços diocesanos em se deslocarem às periferias, o que é muito bom e digno de registo. Infelizmente, nem sempre é fácil sair de casa, com sentimento de segurança, num dia de inverno chuvoso. O nosso historial de catástrofes naturais deixa-nos sempre apreensivos…

O maior desafio está no saber promover a acção dos leigos. Precisamos de cristãos mais formados para que se tornem verdadeiramente empenhados e corresponsáveis na organização pastoral das comunidades. Não é possível evangelizar se não se é evangelizado.
AO - Em meios rurais como a Povoação, o papel do padre e das paróquias tem maior influência nas comunidades do que nos meios urbanos e mais populosos?
PRP - De uma forma geral, pensamos que as comunidades, sejam rurais ou urbanas, necessitam de líderes desprovidos de interesses próprios. Por isso, julgo que o ministério sacerdotal, quando vivido à maneira de Jesus e desprovido de interesses pessoais, ou de outros, torna-se num oásis de acolhimento e conforto.
Penso que o papel do padre deve ser o mesmo em todos os contextos:
1.     Continuar a anunciar o sonho de Jesus, que por vezes parece estar muito longe de ser concretizado;

2.     Mostrar que existe um Deus que nos ama, independentemente dos nossos pecados, das nossas qualidades e dos nossos defeitos;

3.     Ajudar as comunidades a perceberem que o nosso Deus – o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus dos nossos pais – nos quer livres e felizes;

4.     Continuar nas comunidades, através dos Sacramentos, o que Jesus realizou;

5.     Tentar fazer perceber que o maior pecado do nosso tempo não é a nível ético, nem moral nem social: o nosso maior pecado é não ter tempo para nos deixarmos amar por Deus (quem se sente amado não agride, não odeia, não é egoísta, etc.).

Ser padre é manter um sim (mesmo vivendo infidelidades) num mundo feito de “não”;
É anunciar que o mérito de qualquer ofício é, antes de mais, unir os homens…

É uma missão difícil e, por isso, todos os dias devemos procurar ter a certeza que o sonho do dia da nossa ordenação tem valor, independentemente da realidade pretender dizer o contrário.

AO - O facto de já não haver hoje um padre por cada paróquia dificulta a ação pastoral numa Ouvidoria com a dispersão geográfica da Povoação?
PRP - Sim, é uma Ouvidoria muito dispersa composta por três zonas naturais: Água Retorta e Faial da Terra (Zona Nascente), Matriz e Nossa Senhora dos Remédios (Zona Centro), Furnas e Ribeira Quente (Zona Poente. Além da dispersão geográfica – a geografia vale tanto quanto a história – temos a identidade cultural e religiosa de cada uma das paróquias. No entanto, temos notado que,  quando  as diferenças são respeitadas, cada comunidade torna-se mais generosa na pastoral de conjunto. E já estamos a ver alguns frutos nesse sentido: o CPM há muitos anos que é realizado a nível de Ouvidoria; o CPB é realizado a nível inter-paroquial; temos um Grupo Coral com cerca de 100 vozes composto por elementos de todas as paróquias da Ouvidoria; as reuniões do clero são feitas todos os meses numa paróquia diferente, a fim de contactarmos com as diversas comunidades (tem sido uma experiência muito gratificante ver o acolhimento que nos fazem); as formações são feitas em conjunto, etc. Isto para dizer que  todos se têm esforçado por perceber que no trabalho de conjunto está o futuro das comunidades (quanto mais pequenas são as comunidades mais necessário se torna este trabalho para se poder rentabilizar os recursos humanos).

O facto de não haver padres suficientes para todas as paróquias é um bom motivo para que, cada vez mais, os leigos possam assumir a sua missão de baptizados: não como meros ajudantes, mas como cooperadores. Além disso, é quase impossível que paróquias com a população de Água Retorta e Faial da Terra tenham um padre em exclusivo, uma vez que não conseguem sustentá-lo.

AO - Festas como o Senhor dos Passos nas Furnas ou o Corpo de Deus na Povoação são conhecidas em toda a ilha. Os povoacenses têm uma forma de viver a religiosidade popular que os distingue no contexto da ilha de São Miguel, ou mesmo dos Açores?
PRP - A nossa Ouvidoria vive a Festa do Corpus Christi de forma singular no contexto açoriano. Ela é, de facto, a grande festa da Ouvidoria e do Concelho. Do Concelho por ser contemplada por um voto camarário (inclusivamente o feriado municipal é vivido na sexta-feira a seguir ao Corpus Christi); da Ouvidoria por congregar todas as paróquias, sem necessidade de se fazer muitos esforços. E, de facto, é uma grande manifestação de piedade popular que tem o dom de ser totalmente Cristológica (o que também é raro no contexto açoriano).
De resto, julgo que os povoacenses vivem a sua fé seguindo, mais ou menos, os costumes da restante ilha, embora com uma particularidade: são muito briosos e procuram colocar o melhor de si em tudo. E quem nos visitar pelo Verão, terá a oportunidade de constatar que nas nossas procissões e festas tudo é feito com muito bom gosto, empenho e dedicação.
AO - Em 100 anos de história, quais foram, no seu entender, os melhores e os piores momentos por que passou a Ouvidoria da Povoação?
PRP - Os melhores momentos foram, sem dúvida, a criação da Ouvidoria da Povoação em 1916, a fundação da Santa Casa da Misericórdia da Povoação pelo nosso primeiro Ouvidor, o Sr. Padre Ernesto Jacinto Raposo; a criação da Fundação Maria Isabel Carmo Medeiros, fundada pelo Pe. João de Medeiros e continuada pelo nosso segundo Ouvidor, Mons. João Maurício de Amaral Ferreira. São duas instituições ligadas à Igreja que muito contribuíram para a melhoria das condições de vida dos povoacenses.
Quanto aos piores momentos, penso que, sem dúvida, estão relacionados com as catástrofes naturais, que foram muitas ao longo destes 100 anos – recordo apenas as cheias na Vila da Povoação em 1996 e a catástrofe na Ribeira Quente em 1997 – e a hemorragia da emigração, sobretudo a verificada a partir da década de sessenta do século XX.
Quero terminar agradecendo a gentileza e o interesse do jornal Açoriano Oriental pelas nossas gentes e pela promoção da nossa cultura.
Povoação, 21 de Abril de 2016

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