ARTIGO DE OPINIÃO - PARA PENSAR...
Helena Matos
9/11/2016, 18:12246
Acreditando que
estão ligados ao mundo, jornalistas e comentadores vivem encerrados numa bolha.
Mas lá fora o mundo passa a correr. Os apoiantes de Trump passaram mas ninguém
os viu.
Os
“deploráveis” existem. E votam. Sim, eu sei que o facto de ter chamado
deploráveis aos apoiantes de Trump pode não ter valido a derrota a Clinton, mas
explicará alguma coisa do seu desastre eleitoral. Mas se Clinton errou no alvo
acertou no termo: deploráveis. Esta foi uma campanha cheia de momentos
deploráveis e, coisa que certamente nos dará muito que fazer nos próximos
tempos, de ideias deploráveis.
Mas para já
fico-me não pelo que de deplorável disseram e fizeram os candidatos (e foi
muito e para todos os gostos e desgostos), mas sim pela deplorável clivagem
entre o noticiado, e por conseguinte comentado, e a realidade. E disto não
foram responsáveis Clinton ou Trump mas sim a transformação do jornalismo numa
variante da ficção. Para mais de uma ficção repetitiva no argumento,
maniqueísta no enredo e consequentemente pobre no desenho das personagens: de
um lado está o Bem e do outro o Mal. Sabe-se que o Bem vai vencer o Mal e
levam-se meses a fazer vídeos, a imaginar graças, a conceber textos e a escrever
nas redes sociais sobre as patetices e as iniquidades dos maus. Não se conhece
ninguém que apoie os maus. No fim vai-se a votos e os maus ganham. Foi esta
espécie de narrativa de “uma derrota mais que anunciada que não se sabe como se
transformou numa vitória absolutamente inesperada” que vimos no Brexit, no
referendo na Colômbia e agora nas eleições dos EUA. Ao fim de tão clamorosos
falhanços, cabe perguntar: este idiotismo acaba quando? Fazem-se entrevistas no
fim do mundo e depois não se consegue perceber o que está a acontecer diante
dos nossos olhos?
Mas não são
apenas os jornalistas que falham. Observadores, fundações e universidades,
gabinetes de estudos, centros de análise, especialistas em sondagens… parecem
incapazes de ir além do que desejavam que acontecesse.
Já sei: as
pessoas mentem. Claro que sim, mas é precisamente para isso, para ir para lá do
óbvio, que existem jornalismo, investigação e análise. E não para, como tem
acontecido, se criarem umas ficções que, funcionando em circuito fechado, se
alimentam a si mesmas num crescendo onanista que só o confronto com a realidade
– o voto – literalmente estraçalha. Aliás, não deixa de ser preocupante e
revelador que a cada resultado classificado como inesperado surja de imediato
uma explicação que divide os eleitores em bons e maus: os bons são os urbanos,
jovens e licenciados. Os artistas e os cultos. Do lado dos maus estão os
ignorantes, os rurais, os velhos e, por consequência, os pobres sem
habilitações académicas. No caso do Brexit, a primeira-ministra britânica,
britânica repito, viu-se na necessidade de dizer que os resultados eleitorais
têm de ser respeitados. Já quanto à Colômbia, dá-se como adquirido que os
eleitores votaram “contra a paz” ao rejeitarem o acordo negociado pelo seu Presidente
com as FARC.
Encerrados nos
seus gabinetes e nas suas redacções mas acreditando que estão ligados ao mundo,
jornalistas, comentadores e investigadores vivem numa espécie de bolha onde se
enfatizam entre si. Trocam mensagens em que todos pensam o mesmo, riem do mesmo
e criticam o mesmo. E contudo lá fora o mundo passa a correr.
Quero acreditar
que talvez a eleição de Trump torne evidente este logro e que sobretudo sirva
para alertar para o que acontece quando os moderados desistem: o populismo
vence. E isto vale na pequena e na grande escala. À direita e à esquerda. Da
Presidência dos EUA ao Labour em Inglaterra. Vamos ver o que acontecerá em
França.
Por fim, a candidata derrotada. Creio que os democratas
não serão benevolentes com Clinton. Fazer dela o bode expiatório deste
descalabro eleitoral será tentador. Mas, convenhamos, não é completamente
justo. Obama, o Presidente que o mundo da comunicação adorou e aplaudiu, não
conseguiu impedir que se acentuasse o sentimento de declínio que se vive nos EUA.
E isso sim é deplorável e é talvez a tragédia do nosso tempo: ver tornarem-se
ainda mais pequenos os EUA.
Povoação, 10 de Novembro de 2016.
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