TARDE TE AMEI
1. Tarde Te amei,
ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de
Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era
inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu
Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei
no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.
2. Tu estavas
dentro de mim e eu fora… “Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar
o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso
dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo
de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. Durante os
anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me
afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que
estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam
senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…
3. Mas Tu me
chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… “Fizeste-me
entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido.
Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim
de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu
estava”. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse: “Os
ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos
em nossa carne”. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto
perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer “Amanhã, amanhã”… Foi então que
escutei uma voz que vinha da casa vizinha… Uma voz que dizia: “Pega e lê. Pega
e lê!”.
4. Brilhaste,
resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Então corri à Bíblia,
abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à
carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim: “Não em orgias e bebedeiras, nem
na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor
Jesus Cristo” (Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam
escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.
5. Exalaste Teu
Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem
separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é
viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem
apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é
renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei
conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente
o meu coração.
6. Provei-Te, e,
agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. “Deus
começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo”. Vi dentro de mim a Luz
Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna
Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite
desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a
Tua Força dando-me o Teu Amor!
7. E agora,
Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!…
8. Tarde te amei!
Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que
estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada
belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não
estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em
Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste,
resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e,
respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora,
tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!
Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29
Povoação, 10 de Novembro de 2016.
Comentários
Enviar um comentário