JORNADAS DE TEOLOGIA: “O MUNDO DA PÓS-VERDADE É O MUNDO FILHO DO MEDO”, DIZ PE JÚLIO ROCHA
Professor de
Teologia Moral no Seminário de Angra falou sobre a moral cristã e a pós verdade
O
Pe. Júlio Rocha afirmou esta manhã nas Jornadas de Teologia “Cristianismo e
Cultura” que vivemos no tempo da pós verdade que mais não é do que um tempo “de
medo” assente na mentira disfarçada de verdade.
Na
intervenção que proferiu no último dia das Jornadas de Teologia promovidas pelo
Seminário Episcopal de Angra, o sacerdote, doutor em Teologia Moral, partiu de
uma interpretação do livro 1984 de George Orwell- para falar do “enviesamento
ideológico” que o mundo contemporâneo atravessa e as implicações dessa
tendência nomeadamente na construção de uma sociedade do medo, onde “o outro”
se transforma em inimigo, independentemente da sua condição.
Para
o sacerdote, a crise que o mundo atravessa, resultante do “relativismo moral”,
da “crise do conceito de Bem” e da primazia da “liberdade individual” trouxeram
também consigo não só a “derrapagem do valor de verdade moral” como da verdade
matemática fazendo com que “O contrário desta verdade já não seja o erro, mas a
mentira”.
Para
o padre Júlio Rocha “Sempre que há um período de crise, uma das primeiras
vítimas é exatamente a verdade” seja por razões políticas, sociais ou outras,
como a história demonstra. E, neste tempo, marcado pelo poder dos media, são
eles também que ajudam a fabricar e a amplificar estas “pós verdades”, como é o
caso das redes sociais.
“Os
fabricantes destas mentiras, que geram rios de dinheiro tendo em conta, entre
outras fontes, a publicidade que as acompanha, refugiam-se no facto de as redes
sociais serem espaço de liberdade de expressão. Nasceu assim uma nova forma de
informação: a notícia faça você mesmo. Já não há só leitores de informação em
massa: há também fazedores de informação em massa”, referiu o sacerdote
sublinhando que a reposição da verdade acaba por ser secundarizada em relação à
mentira.
Por
outro lado, refere o docente do Seminário Episcopal de Angra, também a
informação personalizada tem contribuído para esta realidade, criando uma
espécie de bolha que afunila o conhecimento e diminui a pluralidade dos
saberes.
“Perante
tais fenómenos, a moral cristã pouco pode. Somos, no mundo de hoje, em todos os
aspetos, uma força sem força: temos a força das convicções, da fé, da certeza
moral; não temos a força da propaganda, da influência, da visibilidade”, diz.
“O
que o Cristão deve fazer, em primeiríssimo lugar, é não se deixar vencer pela
onda das modas que tanto corroem, sem sequer nos apercebermos, o nosso tecido
cristão” adianta o Pe Júlio Rocha.
“Nesse
campo, a primeira vitória é não se deixar vencer pela ignorância”, alerta o sacerdote
destacando que o excesso de informação disponível não é sinónimo nem de melhor
nem de mais diversificada informação.
“Sem
alarmismos” mas com “uma serenidade objetiva” diz o sacerdote, “o grande trunfo
da moral cristã está na sua própria essência: é uma moral da responsabilidade
como resposta; da alteridade como ética; do encontro com o Outro, o diferente”.
E, por isso, exorta os cristãos a lutarem com esta `arma´ contra o mundo da
pós-verdade que “é o mundo filho do medo”.
“É
o medo que cria barreiras, que identifica o Outro no lugar do inimigo, do
desconhecido, da ameaça. É o medo que cria a bolha de filtro, a mentira, a
pós-verdade” precisou o teólogo.
“A
Moral Cristã é uma ética do Amor, não do medo” refere indicando que “o selo que
fundamenta o agir cristão está no desafio de transpor para o tempo de hoje os
princípios e fundamentos da vida e ensinamento de Jesus”, destacando o exemplo
do Sermão da Montanha, carta magna da ética cristã, não só pelo apelo a uma
moral das bem-aventuranças, mas também por todo o ensinamento subsequente, de
onde se destaca o desafiante amor aos inimigos. A isso, diz, “associe-se o
Evangelho da misericórdia: todo o capítulo 25 do Evangelho de Mateus, que
condensa as Obras da Misericórdia, é um extraordinário motivo de meditação
sobre a forma mais perfeita de ser Cristão: o encontro com o Outro, é, mais do
que nunca, o maior desafio do cristianismo como exemplo de vida para o mundo.
Como está patente no título de um livro de reflexões do Papa Francisco, A
Verdade é um Encontro”.
Para
o sacerdote, o grande desafio está em saber comunicar, sobretudo para os nãos
cristãos, esta mensagem.
“Põe-se,
aqui, a ineludível questão da linguagem ética e teológica e a sua
credibilidade: como dizer Deus na hora da secularização? Como repetir o Eterno
na sua permanente frescura e novidade, fazendo ressoar o acento profético dos
primeiros discípulos?, Como fazer ecoar a verdade no universo da não verdade?”,
questiona lembrando de imediato que também os cristãos não devem deixar-se
contagiar por este clima utilizando as redes sociais com “responsabilidade
exponencial”.
As
jornadas de Teologia “Cristianismo e Cultura” terminaram este sábado em Angra.
fonte:
IA
Povoação,
quarta-feira, 22 de Março de 2017.
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