PORQUE NÃO FORAM TODOS DE FÉRIAS?
Out
17, 2017 | Entrelinhas
Por
Carmo Rodeia
Quatro
meses depois do incêndio do Pedrógão Grande que matou 65 pessoas, o Governo
decretou três dias de luto nacional por mais 38 vidas perdidas para o fogo e 62
feridos, 15 dos quais em estado considerado muito grave. Além dos avultados
danos materiais, entre eles 80% do pinhal de Leiria, um dos pulmões da região
centro, sobram os mortos, os feridos e as consequências políticas.
António
Costa falou ontem ao país e garantiu que, “depois deste ano, nada pode ficar
como dantes” e que vai aplicar, com urgência, as recomendações da comissão
técnica independente que fez o relatório sobre Pedrógão Grande. Reafirmou que
seria “infantil” demitir a ministra e no país adulto, que Costa quer que todos
sejamos, há quem brinque com o povo: “Se me tivesse demitido teria ido de
férias, que não tive” ou “as populações têm de ser proactivas e não ficarem à
espera dos bombeiros ou dos helicópteros com meios aéreos”.
Importam-se
de repetir, por favor?
O
Primeiro-ministro, ministra e secretário de Estado pediram “atitude madura”,
“proactividade” e “resiliência”, que é o mesmo do que pedir paciência. Mas,
ninguém pediu desculpa. Para quê? O povo “tem que ter uma atitude madura”, tem
de ser “resiliente” e ser “proactivo”.
Quatro
meses depois, nada, ou quase nada mudou neste país de seca severa. A ministra
da Administração Interna é a mesma e o comandante da Proteção Civil foi
demitido por causa de uma licenciatura. O Governo ficou quatro meses à espera
das conclusões da Comissão Técnica Independente que António Costa prometeu, ontem,
implementar. Só para relembrar : criação de uma agência que faça prevenção e
combate, bombeiros profissionais no combate ao fogo e guerra ao fogo durante
todo o ano. Leu bem: todo o ano. Só que para o Governo o ano termina a 1 de
outubro, nem mais um dia e, portanto, a desmobilização dos meios foi total. Tão
completa como a falta deles em junho, porque a época dos incêndios só começava
oficialmente a 1 de julho. Sim, porque estas coisas decretam-se, porque os
efeitos das alterações climáticas é uma invenção dos chineses, como dizia o
outro.
Apesar
dos avisos meteorológicos para o calor e até para um furacão, houve falta de
meios no terreno, populações isoladas a lutar sozinhas, pelos próprios meios,
problemas de comunicação entre as autoridades, o Siresp voltou a falhar,
estradas e autoestradas em chamas que não foram cortadas por inação ou incompetência,
“um caos”, o “inferno”.
Ou
seja, falhou quase tudo e quase tudo é para mudar, como titulava hoje um
diário.
Recordo
o Eça de Queiroz quando dizia que em Portugal “não há ciência de governar nem
há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o
bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento
político das nações.
A
ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso,
diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade,
pela frivolidade e pelo interesse”.
O
governo que já tinha perdido a vergonha, agora perdeu a cabeça. Por menos já
teria rolado alguma, como rolaram no passado. A demissão da ministra não é,
certamente, a solução de todos os problemas, como dizem alguns. Mas seria a
solução para um deles: repor uma réstea de bom senso na falta de
responsabilidade e de vergonha na governação.
O
triste espetáculo a que todos assistimos nas últimas horas faz-nos corar de
vergonha. Só mesmo à bengalada, meu caro Eça.
Fonte/Foto:
Igreja dos Açores
Povoação,
quarta-feira, 18 de outubro de 2017.
Comentários
Enviar um comentário