REFLEXÃO
Celebrar
a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o
amor tornou frágil. Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos
limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a
mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e,
estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado,
incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis
repartir connosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de
amor que é possível contar. Ela é a única boa notícia que enche de alegria o
coração dos crentes.
Contemplar
a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma
atitude que Ele assumiu e solidarizar-Se com aqueles que são crucificados neste
mundo. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão,
medo, em termos de estruturas, valores, prá- ticas, ideologias; significa evitar
que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com
Jesus a entregar a vida por amor.
Um
dos elementos mais destacados no relato da paixão é a forma como Jesus Se
comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte. Ele nunca Se
descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas mantém-Se sempre
sereno e digno, enfrentando o seu destino de cruz. Tal não significa
que Jesus seja um herói inconsciente a quem o sofrimento e a morte não
assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco que desistiu de lutar. A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma
missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar.
Devemos ter a mesma disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e
a mesma determinação em concretizar esses desafios no mundo.
A
“angústia” e o “pavor” de Jesus diante da morte, o seu lamento pela solidão e
pelo abandono, tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades
e fragilidades. Dessa forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar
n’Ele, segui-l’O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus
mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um caminho
impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens frágeis,
chamados por Deus a percorrerem, com esforço, (v) Esta solidão de Jesus diante
do sofrimento e da morte anuncia já a solidão do discípulo que percorre o
caminho da cruz. Quando o discípulo procura cumprir o projecto de Deus, recusa
os valores do mundo, enfrenta as forças da opressão e da morte, recebe a
indiferença e o desprezo do mundo e tem de percorrer o seu caminho na mais
dramática solidão. O discípulo tem de saber que o caminho da cruz, apesar de
difícil, doloroso e solitário, não é um caminho de fracasso e de morte, mas é
um caminho de libertação e de vida plena.
Povoação,
sábado, 24 de março de 2018.
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