OPINIÃO: "O DEUS DO VENTRE"


Ao longo de todo o Antigo Testamento da Sagrada Escritura encontramos as chamadas Teofanias; Deus manifesta-se em toda a sua grandeza, e de forma espectacular, “aproveitando” na maioria das vezes os fenómenos naturais para o fazer. Também para apresentar a efusão do Espírito do Senhor, os autores sagrados recorrem a imagens. O Espírito é caracterizado como: sopro de vida (Gn 2, 7); chuva que rega e transforma o deserto num jardim (Is 32, 15; 44, 3); trovão, vento, línguas de fogo (Act 2, 1-3); etc…

Estas imagens aparecem para sugerir a ideia de uma imensa explosão de força; onde o Espírito chega acontecem transformações radicais: desaparece o medo, caem as barreiras, fazem-se escolhas corajosas, tremem os grandes na presença dos mais fracos, partilha-se… e era aqui que queria chegar, à partilha, que define o açoriano quando se fala de Espírito Santo.

Na minha opinião o padroeiro dos açores deveria ser o Espírito Santo, e não o beato João Baptista, que nem é conhecido nem dado a conhecer (com todo o respeito e admiração que tenho por ele); mas, coisas há, mais importantes a discutir para a vida da Igreja nos Açores; foi apenas um à parte meu.

Onde quer que se encontre uma comunidade de açorianos, aqui ou na diáspora, está com ela os símbolos do Divino Espírito Santo, na maioria dos casos presentes no chamado Império do Espírito Santo.

Logo após o domingo de Páscoa começam as chamadas semanas do Espírito Santo, que podem assumir outros nomes de ilha para ilha. É o tempo em que se enchem as igrejas para celebrar o deus do ventre; na maioria dos casos a missa decorre no maior desassossego, dando a sensação que apenas se está ali para agradar o Mordomo e porque de seguida há comezaina; são dúzias de coroas a coroar, muitas fotos, muita roqueira, etc… e mais um ano passa, e mais um ano a igreja volta a ficar vazia. Quanto à partilha, esta muitas vezes fica aquém daquilo que deveria ser, fazendo com que as festas do Divino percam o seu sentido original.

Como podemos notar, as festas do Espírito Santo estão cada vez mais adulteradas, em dois campos essenciais, no da fé e no da partilha.

Lembro-me de contarem na minha ilha que determinado emigrante antes de partir para os Estados Unidos pediu para ir à “Casa do Espírito Santo” para se despedir, e lá então abraçado à Coroa fazia um grande pranto dizendo “adeus Senhor Espírito Santo que eu não te vejo mais”, para este bom homem o Espírito Santo era apenas aquele símbolo (religião dos ídolos). São Paulo recorda-nos que somos “templos do Espírito Santo”, por isso, antes de habitar nos impérios de pedra e cimento, ou nas coroas e bandeiras, ele habita em nós. Se o Espírito de Deus está no meu irmão, este é que deveria ser alvo de todo o meu respeito; assim, as coroas e bandeiras só têm sentido quando nos transportam para estas realidades. Outros há que nem pelos símbolos do Espírito Santo têm respeito, assim muito menos o terão para com os irmãos.

Quanto à partilha, esta só será autêntica quando os corações estiverem abertos a que o Espírito Santo trabalhe, aí então acontecerão as transformações radicais que mais atrás referi. Se a finalidade dos Impérios é a partilha, não é fácil compreender como nalgumas das nossas ilhas há impérios riquíssimos; provavelmente não são impérios da partilha, mas de outra coisa qualquer… muito se faz à sombra da fé, sem fé alguma… o mesmo que dizer, fé sem partilha é falsa, e partilha sem fé pode ser apenas fachada…

Pelo pouco que me é dado conhecer, penso que a ilha em que ainda se mantém mais puro o culto ao Divino Espírito Santo é esta ilha de Santa Maria. Algumas pessoas

prometem o Império, são ajudadas por muitos (caridade), e depois no dia do império não há convidados especiais porque todos estão convidados; o douto e o analfabeto, o empresário e o mendigo, todos tem lugar à mesa da partilha… não se pretende acumular tesouros mas sim partilhar tudo; esta sim é a verdadeira raiz dos impérios do Espírito Santo. De que serve estarmos a atropelarmo-nos durante sete semanas com coroas e coroações se apenas a partilha for para os nossos amigos?!... de nada… será apenas honrar o deus do ventre… O Espírito Santo é mais que tudo isso e exige mais daqueles que se deixam tocar por Ele de forma autêntica.

Para terminar cito o profeta Ezequiel que nos diz como Deus promete o dom de um espírito novo, do seu Espírito: “Derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados; Eu vos purificarei de todas as manchas e de todos os pecados. Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos” (Ez 36, 25-27).

Quando encontrar-mos alguém, mesmo sem fé, mas que pratique boas obras pelos outros, que lute pela justiça e igualdade, pela verdade e liberdade… é o Espírito de Deus a trabalhar nele.

O Espírito transforma…

PSM

Povoação, quarta-feira, 11 de abril de 2018

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