AUSÊNCIA DE DEUS RELIGIOSIDADE VAZIA
Ao
longo de toda a história da humanidade, de muitos modos, mesmo que, por vezes,
cheios de ambiguidades, o homem exprimiu a sua busca de Deus em crenças e
comportamentos religiosos. Sempre foi entendendo, com mais ou menos
clarividência, que é em Deus “que vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,
28). O Concílio Vaticano II afirma que “a razão mais sublime da dignidade
humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus” que não está longe de cada
um de nós (cf. GS19). E o Catecismo da Igreja Católica confirma-nos que o
homem, “com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem
moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de
infinito e de felicidade”, sempre se interroga sobre a existência de Deus,
detetando que só em Deus pode ter origem (cf CIgC.28.33). E se ele, o homem, se
reconhece superior ao mundo material e a elevar-se sobre o próprio universo como
senhor e centro da criação, também reconhece que ele e “os céus manifestam a
glória de Deus e o firmamento proclama a obra das Suas mãos (Salmo 19/18, 2). “O
mundo intriga-me – dizia Voltaire – e não posso imaginar que este relógio
exista e não haja relojoeiro”. De facto, o mundo e o homem, assim o cremos, não
têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio, nem o seu fim último. Participam
do Ser-em-si, sem princípio nem fim, a quem, uns e outros, chamamos Deus.
Apesar
de “a razão humana poder, verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais,
chegar a um conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal”, apesar de
poder descobrir, no fundo da sua própria consciência, “uma lei que não se impôs
a si mesmo, mas à qual deve obedecer” (GS16), apesar disso, há obstáculos “que
impedem esta mesma razão de usar eficazmente e com fruto o seu poder natural,
porque as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens ultrapassam
absolutamente a ordem das coisas sensíveis”. Por isso, e embora o homem esteja capacitado
para “conhecer a existência de um Deus pessoal”, Deus, para que ele pudesse
entrar na sua intimidade, “quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder
receber com fé esta revelação” (CIgC33-35). Razão e fé não se excluem, não se opõem,
ajudam-se mutuamente para realizarem a sua natureza e missão, mesmo que as
verdades reveladas possam parecer obscuras à razão e à experiência humanas (cf.
Spe Salvi, 23). O mesmo Deus “que revela os mistérios e comunica a fé, também
acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-se a si
próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade” (CIgC159).
Bento
XVI referia que “o verdadeiro problema do nosso tempo é a “crise de Deus”, a
ausência de Deus, camuflada por uma religiosidade vazia”. E acrescentava que “só
em Cristo e através de Cristo o tema Deus se torna realmente concreto: Cristo é
o Emanuel, o Deus connosco, a concretização do Eu sou”. Numa pedagogia de
condescendência sem igual, de despojamento, Deus revela o seu mistério e o seu
desígnio de amor enviando o seu Filho Jesus Cristo, que se apresenta entre nós como
o Caminho, a Verdade e a Vida. Segui-l’O sem omitir a cruz leva-nos à união com
Deus. E digo: “sem omitir a cruz”, porque a cruz continua a ser escândalo para
uns, loucura para outros, sem significado para mais alguns: “Numa interpretação
burguesa, torna-se um acidente em si evitável, sem valor teológico; numa
interpretação revolucionária torna-se a morte heroica de um rebelde. Mas a
verdade é outra. A cruz pertence ao mistério divino, é expressão do seu amor
até ao fim (...) Quem omite a cruz, omite a essência do cristianismo” (cf.
Bento XVI, no Congresso dos Catequistas e dos Professores de Religião, 2000).
Martin
Heidegger afirmava que o mundo, cada vez mais pobre, já “se tornou tão pobre
que não consegue reconhecer a falta de Deus como falta”. Aqui ou ali, com um
certo ar de libertação e de pinote civilizacional, vai-se notando uma espécie
de snobismo cultural autossuficiente a rejeitar Cristo e o Cristianismo como se
de malfeitores se tratasse ou Deus fosse um títere a dedilhar por quem quer que
seja. E em relação à Europa, a esta Europa que no dizer de Paulo VI nasceu “da
cruz, do livro e do arado”, Dostoievski denunciou que ela, a Europa, “renegou
Cristo. Por isso, e só por isso, está a morrer”. E Thomaz Eliot sintetiza assim
o que todos sabemos: “um cidadão europeu pode não acreditar que o Cristianismo
seja verdade e, no entanto, aquilo que diz e faz brota da cultura cristã da
qual é herdeiro”. Na verdade, sempre há quem lhe custe entender que Deus é a
garantia da nossa dignidade e grandeza, não um concorrente que atropela a nossa
vida. É óbvio que estes posicionamentos têm as suas causas. O Catecismo da
Igreja Católica alerta que “esta relação íntima e vital que une o homem a Deus,
pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem.
Tais atitudes podem ter origens diversas: a revolta contra o mal existente no
mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das
riquezas, o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à
religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de
Deus e foge quando Ele o chama” (CIgC29).
Pode,
na verdade, alguém esquecer ou rejeitar Deus, pode alguém pensar que Ele o
diminui e d’Ele tentar fugir. Deus, porém, na Sua bondade e sabedoria
infinitas, é que nunca deixa de chamar o homem à felicidade, à comunhão com
Ele, jamais deixará de lhe falar como se fala a amigos e de, de muitos modos, dialogar
com ele (cf. DV2).
Somos
seres de esperança, “e precisamos de esperanças - menores ou maiores – que, dia
após dia, nos mantêm no caminho”. A nossa grande esperança, porém, “só pode ser
Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não
podemos conseguir… Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas
aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada
indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além imaginário,
colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é
amado e onde o seu amor nos alcança”(Spe Salvi, 31).
Antonino
Dias
Portalegre,
01-06-2018
Povoação,
segunda-feira, 04 de junho de 2018.
Comentários
Enviar um comentário