O MANTO RASGADO


«Um soldado pergunta ao “abba” Mios se Deus acolher realmente um convertido. Mios responde-lhe: «Diz-me: se o teu manto se rasga, tu lança-lo fora?». «Não», responde o soldado, «remendo-o e continuo a usá-lo». Disse então o mestre: «Se tu tens piedade do teu manto e o conservas, não terá Deus piedade e não terá como amada a sua criatura?».

Daquele repertório interminável de memórias e ditos dos Padres do Deserto, eremitas que amavam a solidão para o encontro com Deus e consigo próprios, extraio este apólogo sobre a conversão e sobre o perdão dos pecados, tema caro ao período quaresmal que estamos a atravessar.

No Evangelho de Mateus aplica-se a Jesus uma frase que o profeta Isaías tinha referenciado ao Servo do Senhor, figura misteriosa relida em chave messiânica pelo cristianismo: «Não há de quebrar a cana fendida, nem apagar a mecha que fumega» (12,20; Isaías 42,3).

Cristo, por isso, não afasta de si quem está em crise ou trilha o caminho da morte espiritual, na convicção de que são os doentes que precisam de médico, e que Ele veio para salvar precisamente quem, aos olhos dos homens, estava perdido.

Numa sociedade da eficiência, só contam as forças vivas, as personagens impecáveis. No horizonte de Deus são, em vez disso, sobretudo os doentes físicos e espirituais que são objeto de atenção, são eles a serem curados com atenção, e a eles é oferecida uma outra oportunidade.

Este é um apelo à confiança e à esperança, sempre e em qualquer circunstância, porque, como também dizia o Senhor, «ainda que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão como neve; se forem vermelhos como púrpura, tornar-se-ão como lã» (Isaías 1,18).

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