PREPARAÇÃO PARA 50º EPN
Como indicado em
email da Direção Nacional CPM às direções diocesanas CPM, inicamos com esta
mensagem a caminhada de preparação para o 50º Encontro de Peregrinação
Nacional (EPN) e 60º Aniversário do
CPM-Portugal (a decorrer em fátima de 7 a 8 de Março de 2020).
O encontro abordará a
Nota Pastoral da CEP "A Alegria do Amor no Matrimónio Cristão", pelo
que nesta primeira sugestão de reflexão abordaremos os números 7 a 14 desse
documento. Para tal, a Direção Nacional preparou um conjunto de pistas de
reflexão à imagem das existentes no livro "Caminhada em Matrimónio" e
que agora remetemos.
A sugestão é que as
equipas, noivos e demais família CPM possam receber esta proposta (P.F.
reencaminhem) e durante o mês de Setembro possam em família ou em equipa
refletir utilizando o contributo que agora remetemos.
Claro que se
entenderem útil, este contributo pode (e deve) ser utilizado também fora do
contexto CPM, pelo que é desde já dada total liberdade para a sua circulação e
utilização.
Com os melhores
cumprimentos,
Pela Direção Nacional
do CPM-Portugal
José Manuel Cabeda
Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
A ALEGRIA DO AMOR NO
MATRIMÓNIO CRISTÃO
A vossa alegria seja completa (Jo 15,11)
1. A alegria
de que Jesus nos fala é completa, na medida em que deriva do amor entre Ele e o
Pai, o amor que teve a sua expressão máxima, entre nós, na oferta da vida pela
sua morte e ressurreição. É essa alegria que Ele oferece também ao casal
cristão que se une para sempre pelo sacramento do matrimónio: uma alegria que
se estende a toda a família que assim começa a formar-se e, por ela, a toda a
Igreja e sociedade humana. Dela nos ocuparemos nas páginas que se seguem. Concentrar-nos-emos,
para isso, na essência do matrimónio cristão. E só a partir dele abordaremos a
necessidade da sua preparação e do acompanhamento nos primeiros anos de vida
conjugal.
Estamos, assim, em sintonia com o Papa Francisco, que nos pede “um esforço mais responsável e
generoso, que consiste em apresentar as razões e os motivos para se optar pelo matrimónio e a
família, de modo que as pessoas estejam
melhor preparadas para
responder à graça
que Deus lhes oferece” (AL 35). Um pedido fundamentado na situação por que está a
passar a instituição familiar.
A família numa sociedade em mudança
2. Os dados objetivos acerca do casamento e da família revelam-se
aparentemente contraditórios a vários níveis. Por um lado, o mais comum entre
nós é ainda que as crianças nasçam, cresçam e sejam educadas no seio de um
contexto familiar constituído por um pai e uma mãe, com relação mais ou menos
próxima com outros parentes, nomeadamente os avós. Mais ainda, a grande maioria
dos jovens, quando pensa no futuro, revê-se neste modelo de família e deseja
constituir uma relação estável que permita sonhar e projetar uma vida familiar
saudável, harmoniosa e pacífica de modo permanente. Por isso, “devemos dar
graças pela maioria das pessoas valorizar as relações familiares que querem
permanecer no tempo e garantem o respeito pelo outro” (AL 38).
3. Por outro lado, não podemos ignorar o crescente número de famílias
que experimentam a rotura, a separação ou o divórcio. O fracasso de um sonho de
vida provoca inevitavelmente frustração e sofrimento, que atingem sobretudo os
filhos, especialmente se são menores de idade. Inúmeros fatores concorrem para
o fracasso de tantas famílias, como o desemprego, a emigração, os horários
desencontrados de trabalho, a violência doméstica, a dependência viciante de um
ou mais elementos do seio familiar ou, simplesmente, a desilusão, a desistência
e o abandono de um dos cônjuges.
4. Por tudo isso, diante de uma realidade que se descobre assim tão
frágil, alguns casais preferem não arriscar na celebração do matrimónio ou na
constituição de uma família. Optam simplesmente por “viver juntos” ou em união
de facto, convivências à experiência ou relações que não exijam um compromisso
radical. A ideia do “para sempre” atemoriza e a perspetiva de
“institucionalizar o amor” afigura-se desnecessária ou mesmo hostil. Vão ainda
surgindo e proliferando “novas formas de família” nas suas várias versões de
comunidades de vida não conjugal, famílias monoparentais, famílias
reconstituídas, comunidades de vida homossexuais ou existências individuais com
relações pontuais.
5. O mundo atual carateriza-se ainda por uma população em constante
movimento. Muitos milhões de pessoas encontram-se em situação precária a vários
níveis. Tantos são os migrantes, os deslocados, os desterrados e os que vivem
em condições abaixo do limiar de pobreza e de dignidade humana aceitáveis.
Tantos são os que procuram melhores condições de vida, os desempregados ou com
empregos precários. É cada vez mais frequente que o pai ou a mãe de família se
vejam obrigados a longos períodos de ausência por razões profissionais num
mundo cada vez mais global, em que a família é apenas mais uma peça no xadrez
das políticas económicas. Política, economia e vida social criam uma cultura
que influencia fortemente o nível e o tipo de convivência familiar. Também estes
fatores criam um novo tipo de mentalidade acerca do modelo de família a
constituir.
6. Diante de tantas adversidades, inúmeras famílias continuam, embora
com dificuldades, a viver e a testemunhar a beleza e a alegria, da fé e da
proposta cristã sobre o matrimónio e a família. Por isso, “com íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha para as famílias que permanecem fiéis aos ensinamentos do
Evangelho, agradecendo-lhes pelo testemunho que dão e encorajando-as” (AL
86), nomeadamente para que outros reconheçam a incontestável importância e o
imperdível valor do matrimónio como sacramento.
I – O matrimónio cristão
7. Segundo o evangelho de S.
João, Jesus realizou o “primeiro
sinal” público da sua missão no contexto de uma festa de casamento
(cf. Jo 2,1-11). Maria estava lá e Jesus fora convidado, com os seus
discípulos. É à luz da realidade esponsal, cume e inspiração de todas as
relações entre os seres humanos, segundo a criação – “osso dos meus ossos e carne da
minha carne” (Gn 2,23) – que o Evangelho exprime, de modo
simbólico, a nova aliança de Deus com o seu povo e com toda a humanidade
renovada em Cristo. Maria está aí presente como nova Eva e representante da
primeira Aliança de Deus com Israel, mas também como Mãe e modelo da Nova
Aliança e da Igreja. É ela que se apercebe que mesmo o melhor que a humanidade
possa oferecer não é suficiente por si só:
“Não têm vinho!”;
o vinho novo, o Espírito de Deus, o dom total do amor e da vida, que brotam do
coração aberto de Jesus na cruz. Com Maria, a Mãe Igreja também se dirige
constantemente ao “Convidado”
desta boda – de todas as bodas – para implorar o vinho novo da alegria, do amor
e da vida e para recomendar aos noivos e esposos cristãos e a toda a humanidade: “Fazei
tudo o que Ele vos disser!”.
8. O matrimónio é um caminho de
beleza e alegria mútua em que cada um deseja e tudo faz para a felicidade do
outro. Começa no namoro em que ambos se vão conhecendo e preparando uma vida na
comunhão de amor. Uma vida que se vai aprofundando e crescendo até ao “livre e recíproco dom de si mesmos, que se
manifesta com a ternura do afeto e, com as obras, penetra toda a sua vida; e
aperfeiçoa-se e aumenta pela sua própria generosa atuação” (GS 47). As
diferentes etapas da relação conjugal trazem, juntamente e até com as inevitáveis
dificuldades próprias da vida, a alegria de um projeto comum. Este envolve,
antes de mais, os próprios cônjuges, que vão
desenvolvendo a capacidade de colocar a felicidade do outro acima dos
interesses e até das necessidades próprias e descobrindo aí uma alegria nova. Mas a relação
de amor conjugal transborda e abre-se à fecundidade em que os filhos são a
expressão mais abundante dessa alegria. Alegria que se vai transformando numa
paz em que a
estabilidade e a experiência de vida permitem ir saboreando o surgir de novas
gerações.
9. Isto mesmo pedimos na Bênção
nupcial, depois dos noivos prometerem voluntariamente, com Cristo no coração e
nos lábios, fidelidade, amor e respeito em todas as situações e por todo o
tempo da sua vida:
«Nós Vos pedimos, Senhor, que estes vossos servos (N. e N.) permaneçam
unidos na fé e na observância dos mandamentos; fiéis um ao outro, sirvam de
exemplo pela integridade da sua vida; fortalecidos pela sabedoria do Evangelho,
deem a todos bom testemunho de Cristo; (recebam o dom dos filhos, sejam pais de
virtude comprovada, e possam ver os filhos dos seus filhos) e, depois de uma
vida longa e feliz, alcancem o reino celeste, na companhia dos Santos».[1]
Cristo, força do sacramento do matrimónio
10. Com isto não ignoramos o que se passa no coração e na mente de
tantos jovens a respeito do casamento, enquanto relação estável e permanente. Também
ele cai dentro do âmbito das instituições frágeis: É possível assumir um
compromisso para a vida? Faz sentido fundar uma realidade que, à partida e
vendo o que acontece pelo mundo, parece prática e humanamente inviável? Não
será mais coerente e realista simplesmente aceitar a incapacidade para uma
relação conjugal que dure a vida toda?
Sabemos que estas e outras questões semelhantes inquietam muitos casais
jovens cristãos e que, na hora de tomar uma decisão para toda a vida, os levam
a optar, alguns na melhor das hipóteses, por uma relação em etapas:
experimentam uma vida a dois, sem qualquer compromisso institucional; alguns casam
civilmente; e, talvez posteriormente, em especial quando pensam em ter filhos,
discernem a possibilidade de celebrar o sacramento do matrimónio. O facto de
este desejo surgir tardiamente, aquando da perspetiva de ter filhos, deve-se a
inúmeras causas. Mas, entre elas, encontra-se, certamente e felizmente, a
nostalgia de uma fé recebida no batismo e porventura apenas latente ao longo da
vida. Fé que agora, diante de tão sublime missão, como é a de dar à luz um
filho e o educar, reconhece a necessidade da graça sacramental (cf. FC 68).
11. A Igreja não ignora esta realidade e, por isso, no último Sínodo
sobre a Família, os bispos afirmaram: “O olhar de Cristo, cuja luz ilumina todo o homem (cf. Jo 1, 9; GS n. 22), inspira o cuidado pastoral da Igreja pelos fiéis que simplesmente vivem juntos, que contraíram matrimónio apenas
civil ou são divorciados que
voltaram a casar. Na perspetiva da pedagogia divina, a Igreja olha com amor para aqueles que
participam de modo imperfeito na vida dela: com eles,
invoca a graça da
conversão; encoraja-os a fazerem
o bem, a cuidarem com
amor um
do outro e colocarem-se ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham.
Quando a
união alcança
uma estabilidade notável por meio dum vínculo público – e se reveste de afeto profundo, responsabilidade pela prole, capacidade
de superar as provações –, pode
ser vista como
uma oportunidade a encaminhar para o sacramento do matrimónio, sempre que este seja possível” (AL 78).
O sacramento do matrimónio está sempre no horizonte da proposta
cristã, pois é uma riqueza que a Igreja não deixa de partilhar. Por isso, ela reafirma
o convite aos jovens cristãos para se abrirem ao anúncio de amor e ternura, e para
acolher a graça com que Jesus Cristo nos visita nos sacramentos.
12. Precisamente porque assumir um compromisso de absoluta fidelidade
para a vida é uma empresa feliz, por ser sujeita à prova de inumeráveis
dificuldades, por isso a Igreja oferece àqueles que sonham com uma vida a dois a
sua mais preciosa riqueza: a graça do sacramento do matrimónio. É que “o
sacramento não é uma coisa nem uma força, mas o próprio Cristo que, na
realidade, vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio.
Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem, tomando sobre si a sua cruz, de
se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo
um do outro. O matrimónio cristão é um sinal que não só indica quanto Cristo
amou a sua Igreja na Aliança selada na Cruz, mas torna presente esse amor na
comunhão dos esposos” (AL 73).
13. O sacramento do matrimónio não se reduz a um ato burocrático ou a “uma
convenção social, um rito vazio ou o mero sinal externo dum compromisso. O sacramento
é um dom para a santificação e a salvação” (AL 72) que a partir da sua
realização torna presente na vida dos esposos o próprio Jesus com o seu amor e
a sua graça. Com este sacramento – que é descrito por S. Paulo como o grande
mistério, pois contém e espelha a relação de amor entre Cristo e a Igreja (Ef
5, 21-33) – Jesus Cristo entra na vida dos esposos com a sua graça e tudo é de
novo possível! O que humanamente o pecado tinha tornado impossível, torna-se
agora possível com a graça de Deus recebida no sacramento, pois “a Deus tudo é
possível” (Mt 19, 26). Trata-se daquela graça específica que se destina “a
aperfeiçoar o amor dos cônjuges”.[2]
14. Portanto, é normal – e porventura salutar – ter dúvidas,
inquietações e hesitações diante de algo tão nobre, belo e profundo como é
partilhar a vida inteira com alguém. Mas a solução não está num adiamento sine die do compromisso ou numa fuga à
entrega total e assumida perante os outros e perante Deus. Por isso, contrariamente
ao que possa parecer, assumir publicamente o casamento confere uma robustez
mais sólida à relação, precisamente porque compromete, com a energia da graça
de Deus, os esposos, não só entre si, mas também com os filhos, as suas
famílias, os amigos, a Igreja e a sociedade. E celebrá-lo em sacramento
matrimonial é acolher aquela força que só Deus pode dar, pois é a presença do
próprio Cristo que encarna na vida dos esposos. O sacramento assegura que,
mesmo quando vierem dúvidas ou crises, marido e mulher não estão sós. Aquele
que prometeu estar sempre connosco até ao fim dos tempos (Mt 28, 20) jamais os
abandonará.
E o matrimónio, como compromisso indissolúvel, é presença e expressão
desse amor de Deus pela humanidade: “O matrimónio é um sinal precioso, porque,
quando um homem e uma mulher celebram o sacramento do matrimónio, Deus, por
assim dizer, espelha-Se neles,
imprime neles as suas características e o carácter indelével do seu amor. O
matrimónio é o ícone do amor de Deus por nós. É precisamente nisto que consiste
o mistério do matrimónio: dos dois esposos, Deus faz uma só existência” (AL
121).
Matrimónio: a fragilidade da relação e a força do sacramento
15. O compromisso de uma relação a dois para toda a vida mistura-se
com o desejo de um amor que pede precisamente essa permanência. Um amor
verdadeiro leva em si a marca da perenidade. Os bens mais preciosos tratam-se
com cuidado e revestem-se da melhor proteção (cf. 1Cor 12, 22). Esta é a beleza
das relações humanas bem vividas. A fragilidade própria da contingência do ser
humano e das suas relações estimula a ajuda mútua e o recurso à graça divina. Assim,
o sacramento do matrimónio revela que o ser humano vive em absoluta dependência
da graça e da intervenção amorosa de Deus, especial e abundantemente recebida
na sua celebração.
16. A força do matrimónio cresce quando os cônjuges adquirem a
consciência de que os seus limites não são obstáculo à felicidade, mas
oportunidade de construírem em conjunto um caminho de crescimento e amadurecimento
mútuo, nomeadamente através da intensificação da ajuda mútua, da coragem do
perdão e da alegria da reconciliação. O amor, quando provado e testado,
torna-se sempre mais forte. “Talvez a maior missão de um homem e de uma mulher
no amor seja esta: a de se tornarem, um para o outro, mais homem e mais mulher.
Fazer crescer é ajudar o outro a moldar-se na sua própria identidade. Por isso
o amor é artesanal. O amor faz com que um espere pelo outro, exercitando aquela
paciência própria de artesão, que herdou de Deus” (AL 221).
17. Afirmar que o matrimónio é um sacramento é, então, considerá-lo
como um sinal visível e eficaz de uma graça invisível que confere um dom e uma
missão. Quando um homem e uma mulher se casam na Igreja, a sua união é um sinal
que vive e exprime o amor de Deus pela humanidade, o amor de Jesus Cristo pela
Igreja; recebem a missão de construir um mundo mais justo através da constituição
da família, mostrando com a vida de comunhão que o amor entre eles – e o amor
de Deus pela humanidade do qual são sinal – pode superar todas as dificuldades
e crises humanas. A esta união é conferida a graça para levar a cabo esta
missão de tornar visível o amor de Deus no mundo.
Eis a grandeza do matrimónio cristão! Não consiste apenas em receber
uma bênção nem é apenas a celebração do amor entre duas pessoas. É também uma
missão: a de tornar Jesus Cristo presente, não só na vida de compromisso e
entrega dos esposos, mas no mundo, pois sendo uma aliança que abrange toda a
vida humana (cf. GS 48), ela torna Deus presente em tudo o que é humano. E daí
que seja por natureza um amor perpétuo e indissolúvel, livre, uno e fecundo, como
o amor de Deus pelo ser humano e o amor de Cristo pela Igreja.
Amor fiel, livre e fecundo
18. No rito do matrimónio, mais concretamente no diálogo antes do
consentimento, os noivos são
interrogados sobre a sua liberdade e as suas disposições de fidelidade e de
aceitação e educação dos filhos: “Viestes
aqui para celebrar o vosso Matrimónio. É de vossa livre vontade e de todo o
coração que pretendeis fazê-lo?... Vós que seguis o caminho do Matrimónio,
estais decididos a amar-vos e a respeitar-vos, ao longo de toda a vossa vida?...
Estais dispostos a receber amorosamente os filhos como dom de Deus e a
educá-los segundo a lei de Cristo e da sua Igreja?...”[3]
O consentimento irrevogável é constituído pela liberdade, fidelidade e
fecundidade:
- Liberdade, antes de mais, contra todas as pressões políticas, sociais ou
familiares. Mas também, e principalmente, liberdade interior. Haverá maior
liberdade do que amar e decidir dar-se de todo o coração a outra pessoa para
toda a vida? Só alguém interiormente livre está apto a libertar-se dos seus
apetites, dos seus interesses pessoais e do seu ego em função de um bem maior.
- Fidelidade nas grandes e nas pequenas decisões da vida quotidiana, até que a
morte os separe. Não se trata só de não cometer adultério. É, mais do que isso,
assumir a opção de aprofundar a relação de sintonia como quem, no mesmo barco,
rema na mesma direção, descobrindo aí a felicidade.
- Fecundidade, primeiramente no sentido de abertura à vida biológica, de aceitação
dos filhos como dom de Deus. Mas também uma fecundidade que seja abertura à
vida em geral, através do serviço mútuo e aos outros, de uma missão comum, de
uma casa aberta. A fecundidade exprime-se na complementaridade masculino-feminino
através da linguagem do amor, que deve ser aprendida.
19. Quem se casa na Igreja, afirma diante da comunidade que:
- quer fazer da vida a dois um sinal de que tudo o que “na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença”[4] é fruto
do amor e possível em Jesus Cristo;
- quer testemunhar com a sua vida de casal (projetos, atitudes,
filhos...) que o amor de Deus por cada pessoa e pela humanidade é uma realidade
eficaz, que transforma o mundo, e que Cristo nunca abandona a sua Igreja;
- procura, no seu compromisso, encontrar uma vida feliz, porque sinal do
amor de Cristo, que, na sua expressão máxima de total oferta da vida, venceu a
morte para sempre e deu o maior contributo para a construção do Reino de Deus;
- acredita que Deus, através deste sacramento, dá a força eficaz (a graça)
para cumprir esse compromisso e essa missão, a força manifestada principalmente
na morte e ressurreição do Seu Filho Jesus Cristo, de que vive a Igreja;
- acredita que vale realmente a pena contrair um matrimónio cristão,
pelo bem que só nele se pode obter e transmitir.
II – Preparação para o matrimónio
a) Preparação remota
20. Para viver este amor fecundo, livre e indissolúvel é necessária
uma preparação séria e profunda. De facto, toda a pastoral familiar que apoie
os cônjuges e os ajude a dar aos filhos testemunho do verdadeiro amor cristão já
os prepara remotamente para o matrimónio. A preparação para o matrimónio não pode
ser algo pontual e restringido a um momento específico da vida. Antes, implica
pensar uma pastoral familiar a longo prazo em que se inclua toda a catequese. “Aprender
a amar alguém não é algo que se improvisa, nem pode ser o objetivo dum breve
curso antes da celebração do matrimónio. Na realidade, cada pessoa prepara-se
para o matrimónio desde o seu nascimento” (AL 208). Uma verdadeira educação dos
filhos, que gere processos de amadurecimento da sua liberdade, de crescimento
integral, de cultivo da autêntica autonomia (cf. AL 261), de aprofundamento da fé
e da prática do amor cristão prepara-os para opções de vida com convicções
profundas em que o compromisso e a fidelidade sejam elementos fundamentais do
crescimento humano.
21. Na cultura atual, em que a sociedade insiste
em estruturar-se e afirmar-se pelos direitos individuais mais do que pelo bem
comum, não admira que a fidelidade a um compromisso para a vida seja vista como
contra-cultural, contrária à autonomia individual.
Por isso, é nossa convicção que “tanto a pastoral
pré-matrimonial como a matrimonial devem ser, antes de mais nada, uma pastoral
do vínculo, na qual se ofereçam elementos que ajudem quer a amadurecer o amor
quer a superar os momentos duros” (AL 211). Só assim se estruturam relações
humanas duradouras e estáveis em que crianças e jovens possam crescer e ser
educados num estilo de vida humanamente saudável que os ajude a serem pessoas melhores.
22. Como formar, então, os jovens para uma
verdadeira liberdade interior que conduza à entrega ao outro e a uma relação de
compromisso cujo o vínculo é indissolúvel? Há que testemunhar-lhes que ser
livre implica comprometer-se para a fidelidade.
A liberdade não é escolher entre o bem e o mal; isso seria
ainda apenas o livre arbítrio. É, sim, libertar-se de todo o mal e optar pelo
bem. Por isso, aprender a não agir impulsivamente, mas saber esperar, é uma
grande aprendizagem para a liberdade: “quando se educa
para aprender a adiar algumas coisas e esperar o momento oportuno ensina-se o
que significa ser senhor de si mesmo, autónomo face aos seus próprios impulsos”
(AL 275).
Ser livre é também saber respeitar os ritmos e os espaços
próprios da individualidade do outro. “Há um ponto em
que o amor do casal alcança a máxima libertação e se torna um espaço de sã
autonomia: quando cada um descobre que o outro não é seu, mas tem um
proprietário muito mais importante, o seu único Senhor” (AL 320).
23. O amor fiel e verdadeiro exige esta liberdade: não se pode “reduzir
a mera atração ou vaga afetividade” (AL 217). Amar é um ato da vontade. Não consiste
apenas em gostar, mas em querer o bem do outro, mesmo quando é difícil. O amor
permanece, mesmo quando a paixão se desvanece ou o gosto desaparece; porque
amar tem de exprimir-se em ações. “Não é possível prometer que teremos os
mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos comprometer-nos a
amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe. O amor, que nos
prometemos, supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa
incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que
envolve toda a existência” (AL 163). E essa decisão inclui certamente alegria,
gozo e prazer. Mas implica também, e inevitavelmente, serviço, entrega, dor e
sofrimento. Porque quem ama está disposto a sofrer: “Ninguém tem maior amor do
que este: que alguém dê a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). A cruz de Jesus
é, por isso, a expressão maior do amor e da fonte da caridade divina no amor do
casal e da família.
b) Preparação próxima
24. Toda a comunidade cristã é chamada a envolver-se mais profunda e
amplamente na preparação dos noivos para o matrimónio. A experiência
evidencia que, muitas vezes, a preparação imediata dos noivos é manifestamente
incompleta ou muito condicionada pelas circunstâncias próprias de toda a
preparação para o dia do casamento. É necessário, por isso, um empenho sério
numa preparação próxima, a médio prazo.
Nesse sentido,
deve-se investir numa pastoral do namoro, em que todos, catequistas, líderes de
grupos de jovens, promotores vocacionais e demais agentes pastorais unam
esforços e trabalhem juntos de forma a, com tempo, começar a preparação e o
discernimento para o namoro, noivado e matrimónio. É urgente um novo dinamismo nas
paróquias, nos movimentos e na vida da Igreja em geral, em que se promovam
grupos de namorados, atividades e encontros que possam ajudar a refletir e a
viver uma verdadeira preparação, para a vida matrimonial. É que “o matrimónio é uma vocação, sendo uma resposta ao
chamamento específico para viver o amor conjugal como sinal imperfeito do amor entre Cristo e a Igreja. Por isso, a decisão de se
casar e
formar uma família deve ser fruto dum discernimento vocacional”
(AL 72).
25. O matrimónio é uma vocação e a vida
matrimonial é resposta concreta a um apelo de Deus. Assim, pelo discernimento, procure-se,
simultaneamente, encontrar a vontade de Deus e saber qual o melhor meio de a
alcançar, se o matrimónio ou outro modo de vida. Um discernimento cujo resultado
já está definido à partida é um processo viciado. Quanto mais profundo e
acompanhado for este tempo de crescimento, mais os jovens se disporão a
responder com liberdade interior à vontade de Deus para as suas vidas e mais
sólidas serão as suas decisões. Todo o acompanhamento parte “do olhar de Jesus, que olhou para as mulheres e os homens que encontrou com
amor e ternura, acompanhando os
seus passos
com verdade, paciência e misericórdia, ao anunciar as exigências do Reino de Deus”
(AL 60).
c) Preparação imediata
26. Felizmente, as estruturas
familiar e eclesial contribuem para uma formação remota e um discernimento mais
próximo sobre o modo de vida que melhor corresponda à vontade de Deus. E muitas
pessoas decidem constituir uma família. Nesses casos, a preparação imediata não
surge do nada, mas vem na continuidade natural da vida e é procurada por quem
quer viver uma vida matrimonial e familiar plena de sentido e cheia de alegria.
De qualquer modo, a Igreja
oferece uma preparação mais imediata com nova vitalidade. O Papa
Francisco enuncia o conteúdo do itinerário, a percorrer pelos noivos: “Não se
trata de lhes ministrar o Catecismo inteiro nem de os saturar com demasiados
temas. Interessa mais a qualidade do que a quantidade, devendo-se dar
prioridade – juntamente com um renovado anúncio do kerygma – àqueles conteúdos que, comunicados de forma atraente e
cordial, os ajudem a comprometer-se num percurso da vida toda. Trata-se duma
espécie de «iniciação» ao sacramento do matrimónio, que lhes forneça os elementos
necessários para poderem recebê-lo com as melhores disposições e iniciar com
uma certa solidez a vida familiar” (AL 207).
27. A preparação dos noivos deve primeiramente sublinhar a beleza do
matrimónio como autêntica vocação que conduz à felicidade mútua. Mas deve
também alertar para a possibilidade de o deslumbramento ou a paixão inicial
tenderem a relativizar dificuldades ou divergências que, nalguns casos, podem
revelar autênticas incompatibilidades. “Os noivos deveriam ser incentivados e
ajudados a poderem expressar o que cada um espera dum eventual matrimónio, a
sua maneira de entender o que é o amor e o compromisso, aquilo que se deseja do
outro, o tipo de vida em comum que se quer projetar. Estes diálogos podem
ajudar a ver que, na realidade, os pontos de contacto são escassos e que a mera
atração mútua não será suficiente para sustentar a união” (AL 209). A decisão
de partilhar a vida inteira com outra pessoa também “implica aceitar com
vontade firme a possibilidade de enfrentar algumas renúncias, momentos difíceis
e situações de conflito, e a sólida decisão de preparar-se para isso” (AL 210).
Assim, uma apropriada preparação para o matrimónio deverá conduzir os
noivos a:
a) saber avaliar a maturidade afetiva, psicológica e espiritual, própria
e do outro;
b) saber avaliar a própria relação, nos seus pontos fortes e fracos, bem
como prever possíveis consequências decorrentes desses pontos;
c) delinear um projeto de vida familiar: princípios orientadores, valores
“inegociáveis” e metas a alcançar enquanto família;
d) uma metodologia para uma maior maturidade familiar: momentos de
paragem para avaliar e lançar para o futuro. Só assim é possível “detetar os
sinais de perigo que poderá apresentar a relação, para se encontrar os meios
que permitam enfrentá-los com bom êxito” (AL 210);
e) elaborar “estratégias” de gestão e superação de conflitos;
f) descobrir a comunidade cristã como lugar onde a família se pode pôr ao
serviço dos outros, pode procurar ajuda para as suas necessidades e crises e ganha
profundo sentido a celebração de diferentes situações familiares e comunitárias;
g) aprofundar o conhecimento da doutrina da Igreja sobre o sacramento: as
propriedades e os fins próprios do matrimónio, nomeadamente o vínculo de
unidade indissolúvel, bem como as condições sine
qua non para a validade do sacramento, isto é, liberdade, fidelidade e
fecundidade. Tudo na perspetiva da construção de uma verdadeira felicidade.
28. Finalmente, deve-se sublinhar o caráter gradual e crescente da
vida matrimonial. A celebração do matrimónio não é uma meta, mas um ponto de
partida: que “os noivos não considerem o matrimónio como o fim do caminho, mas
o assumam como uma vocação que os lança para diante, com a decisão firme e
realista de atravessarem juntos todas as provações e momentos difíceis” (AL
211).
29. Depois de insistir que “as famílias cristãs são, pela graça do
sacramento nupcial, os sujeitos principais da pastoral familiar” (AL 200), o
Papa Francisco sublinha que “a principal contribuição para a pastoral familiar
é oferecida pela paróquia, que é uma família de famílias, onde se harmonizam os
contributos das pequenas comunidades, movimentos e associações eclesiais” (AL
202). Mas esta pastoral não se pode limitar a um anúncio puramente teórico e
desligado dos problemas reais das pessoas, pelo que é urgente uma autêntica
conversão missionária de modo “a encarnar as propostas pastorais nas situações
reais e nas preocupações concretas das famílias” (AL 204).
Refira-se a este propósito a grande contribuição dos Centros de Preparação
para o Matrimónio (CPM) em Portugal. A sua metodologia parte da experiência de
cada casal, que é preparada, partilhada e refletida em grupos de pessoas que se
preparam para o matrimónio. Entretanto, têm surgido outras propostas de
preparação para o matrimónio que, com grande criatividade, adaptam a mesma
metodologia de partilha de experiências em encontros de fim de semana. O mesmo
se espera das comunidades locais e diferentes movimentos eclesiais: que
insistam numa pastoral familiar que envolva as próprias famílias cristãs como
agentes e não apenas recetores da mesma.
III – Acompanhamento dos
casais jovens
Do sonho à beleza da realidade
30. Os primeiros anos de vida conjugal trazem, além de grandes
alegrias, algumas dificuldades. Os sonhos próprios de quem se casa vão descendo
à vida concreta e é necessário estar preparado para assumir a verdade de que “a
realidade é superior à ideia” (EG 231). É, por isso, necessário acompanhar os
casais nesta descida à vida real e ajudá-los a “pôr de lado as ilusões e aceitar
o casamento como é: inacabado, chamado a crescer, a caminho”. Longe de ser uma
desilusão, este facto permite aos esposos tornarem-se “protagonistas, senhores
da sua própria história e criadores de um projeto que deve ser levado para a
frente conjuntamente” (AL 218).
31. Numa época em que o sentimento e o imediatismo imperam como
critérios de vida, torna-se essencial formar para o verdadeiro amor. Como foi atrás
referido, mais do que um sentimento, o amor é uma opção que conduz à ação (cf.
AL 94). Os esposos não se podem prometer que vão sentir sempre um grande e
caloroso afeto um pelo outro todos os dias das suas vidas. Mas podem prometer
amar-se mutuamente até ao fim. O sentimento é de uma ordem mais superficial, ao
passo que o amor é da ordem da vontade e permanece para além e até mesmo contra
todos os obstáculos que a vida possa trazer. Em última instância, um casamento
dura porque os esposos decidem que dure.
Por tudo isso, “torna-se indispensável o acompanhamento dos esposos
nos primeiros anos de vida matrimonial para enriquecer e aprofundar a decisão
consciente e livre de se pertencerem e amarem até ao fim” (AL 217).
O amor fiel supera o medo
32. A liberdade no tempo implica a fidelidade e é na fidelidade dos
pequenos momentos da vida que a vida a dois se constrói. Neste caminho de
amadurecimento do amor mútuo e da liberdade, deve cada paróquia, movimento ou
associação de fiéis socorrer-se de todos os meios humanos possíveis e pensar em
atividades que possam e devam ser levadas a cabo para apoiar e reavivar as
famílias. O Papa Francisco propõe diversos exemplos: reuniões de casais,
retiros, conferências de especialistas sobre problemáticas da vida conjugal e
familiar, agentes pastorais preparados para falar com os casais acerca das suas
dificuldades e aspirações, consultas sobre situações familiares desfavoráveis
(dependências, infidelidade, violência familiar), espaços de espiritualidade,
escolas de formação para pais, etc. (cf. AL 229). Sabemos que não é possível
fazer tudo em todos os lugares. Mas é possível organizar-se para que a oferta
de instrumentos de pastoral familiar seja mais efetiva e eficaz.
Comunicação: principal fator humano na relação
33. Numerosos estudos referem que os casais felizes se distinguem dos
infelizes pelo modo como vivem a sua relação em áreas cruciais. Eis algumas:
relacionamento ao nível sexual, atividades de lazer, relação com a família e
amigos, situação financeira e gestão das economias, modos de viver a fé. Mas,
na prática, há um fator base que pode tornar uma relação feliz ou infeliz: a
comunicação ou a falta dela.
34. Frequentemente, os esposos assumem que se conhecem perfeitamente e
a comunicação vai diminuindo. Enquanto namoram, a conversa flui em torno ao
mútuo conhecimento. Mas, depois de casados, e à medida que o tempo avança, as
conversas correm o perigo de se tornarem meramente funcionais, para resolver
questões do quotidiano. Esta tendência aumenta quando surgem os filhos, que se
tornam o centro da vida familiar, e escasseia o tempo para a partilha em casal.
Os dias gastam-se entre emprego, cuidado dos filhos e gestão de cansaços. Não
se fazem perguntas, não se partilham sentimentos, não há interesse real pelo
dia do outro nem disponibilidade interior e capacidade para o escutar.
35. Comunicação e intimidade estão fortemente interligadas. E há
casais com dificuldades na sua relação, porque não conseguem comunicar. Sem diálogo,
sorrisos, expressões de carinho ou contacto físico, não há troca de sentimentos,
não se transmite ao cônjuge o que realmente se deseja, não se discutem assuntos
nem se resolvem problemas e surgem comentários a rebaixar o outro.
Há que distinguir três tipos de comunicação:
- passiva, que se caracteriza pela dificuldade de expor ideias e pensamentos,
mas especialmente sentimentos, emoções e desejos. Pode provir de insegurança ou
baixa autoestima e é tipicamente usada por quem evita magoar o outro ou ser
criticado.
- agressiva, com expressões ressentidas ou acusatórias (ou silêncios e amuos
prolongados e ostensivos), concentração nas características negativas do outro
e não na situação ou assunto sobre o qual se tenta comunicar;
- assertiva, com as pessoas a expressarem-se de forma livre, não defensiva nem
ofensiva, mas direta e claramente, de forma positiva e no respeito pelos momentos
de uso da palavra e de escuta do outro.
Por vezes, encontrar o modo justo de comunicar pode demorar anos. Mas
desistir não é opção. É frequente haver casais que vão deixando de se falar
para evitar conflitos ou, por tentativas falhadas, de comunicar bem sobre
determinadas situações, desacordos ou assuntos que causam polémica na vida
familiar. É por isso essencial que os casais, desde o início da vida em
conjunto, se vão habituando a pedir ajuda a casais mais experientes ou mesmo a
profissionais. E é importante que as comunidades ofereçam cursos, ações de
formação e acompanhamento pessoal nesta matéria.
36. Na relação, há que criar, desde cedo, espaço para cada um exprimir
o que pensa e sente e para escutar atentamente o outro. Investir numa
comunicação clara, íntima e atenta é uma base sólida e robusta para sustentar
eficazmente a relação. Evita vitimizações, mal-entendidos, assuntos tabus,
silêncios impostos ou conversas proibidas. É verdade que, mesmo assim, haverá
conflitos. Mas será mais fácil superá-los, se ambos se habituaram a comunicar
bem um com o outro.
Superação de conflitos
37. Mais do que os problemas em si mesmos, o modo como lidamos com eles
pode ser o verdadeiro problema. O conflito é inevitável nas relações humanas. E
quanto mais próxima é a relação, maior a probabilidade de conflito, por serem
mais frequentes as ocasiões para se revelarem e acentuarem as diferenças de
cada um. O conflito em si não compromete inevitavelmente o amor. Quando bem
vivido e superado, pode até contribuir para uma maior proximidade e intimidade
no casal. Para isso é importante que, nos primeiros anos, se proporcionem aos
casais ferramentas concretas de superação de conflitos. Caso contrário, a vida
em casal pode perder vitalidade.
38. Os conflitos são feridas
psicológicas que afetam a vida do casal, tal como as feridas do corpo que, se
forem superficiais, podem sarar com o passar do tempo. Se forem profundas,
requerem cuidados especiais para que possam cicatrizar de dentro para fora. E
um conflito não resolvido será como uma ferida mal curada, que sangra quando se
lhe toca. Tempo e paciência são dois elementos necessários, mas não
suficientes, porque a cicatrização exige cuidados apropriados.
A solução dos conflitos é essencial para a estabilidade do matrimónio.
Alcança-se pela razão e não pela emoção. Por isso, importa que passe o tempo
suficiente para que, baixando a tensão inicial, a razão se possa sobrepor à
emoção. A partir daí, exige-se de ambas as partes coragem para reiniciar a comunicação,
humildade para reconhecer a culpa, perdão para desculpar a ofensa, amor para
acolher o outro. A comunicação interpessoal é o ingrediente indispensável para
resolver os conflitos. Por isso, se os cônjuges sozinhos não conseguem
restabelecê-la, peça-se a ajuda de um casal experiente ou de uma pessoa
devidamente preparada.
39. Se, porventura, apesar do sofrimento e dos esforços feitos para a
reconciliação, a complexidade da situação tornar inevitável o fracasso do
matrimónio, é importante saber que o caminho da Igreja continua a ser o caminho
de Jesus, o caminho do acolhimento, da misericórdia e da integração. Assim,
enquanto batizados e membros da Igreja, não devem considerar-se condenados ou
separados da mesma Igreja. Através de um discernimento pessoal e pastoral em
cada caso e dando espaço à consciência de cada um, os interessados devem ser
ajudados a encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade
eclesial, segundo as orientações da Exortação Apostólica Amoris Laetitia e do Bispo diocesano.
40. A oração pessoal, e também em casal e em família, é central na
família cristã. Alguém que, na intimidade do seu coração, sabe agradecer o seu
matrimónio ou partilhar com o Senhor alguma dificuldade na relação com o
cônjuge, toma mais consciência da presença da graça sacramental na vida do
casal. No diálogo com Deus reconhecem-se, tanto as dificuldades e os erros, como
as alegrias da vida matrimonial; cresce a humildade para pedir perdão e
ganham-se forças para perdoar e aprofundar-se a relação.
41. As paróquias, os movimentos e outras instituições da Igreja e casais
mais amadurecidos são chamados a apoiar os casais cristãos, especialmente
quando surgem crises. Através do seu testemunho experiente e, quando
necessário, de ajudas especializadas é possível recordar que o casamento é uma
tarefa a dois que implica ultrapassar obstáculos, e que uma crise pode ser uma
oportunidade para recomeçar e renovar a mútua entrega e fidelidade.
Contributo da espiritualidade conjugal e familiar
42. A vida espiritual de um casal ou de uma família pode adquirir
várias fisionomias e modos de expressão. Nela se incluem a oração em casal e em
família, a escuta da Palavra de Deus, a participação na celebração dos
sacramentos, os atos devocionais, a formação contínua, etc. É uma dimensão de
crucial importância para a vida da família, já que “a oração em família é um
meio privilegiado para exprimir e reforçar a fé pascal” e “atinge o seu ponto
culminante ao participarem juntos na Eucaristia, sobretudo no contexto do
descanso dominical” (AL 318). Mas também promove e reforça a união: família que reza unida, mantém-se
unida. Promover momentos de oração em casal e em família conduz a uma tomada de
consciência de que ninguém está só e que estão unidos precisamente no que mais
importa: em Deus.
Contudo, rezar em casal ou em família não serve apenas à unidade dos
seus membros. É pela oração que nos abrimos a uma família maior e
experimentamos a comunhão com a comunidade cristã e a fraternidade com a
humanidade criada por Deus. Aí “aprendemos a amar, a perdoar, a
ser generosos e disponíveis e não fechados e egoístas. Aprendemos a ir além das
nossas próprias necessidades, para encontrar outras pessoas e partilhar as
nossas vidas com elas. Por isso é tão importante rezar como família.”[5]
43. A vida é,
toda ela, chamada a ser espiritual, enquanto experiência quotidiana vivida
segundo o Espírito de Deus. “Na família, é necessário
usar três palavras: com licença, obrigado, desculpa. Três palavras-chave.
Quando numa família não somos invasores e pedimos «com licença», quando na
família não somos egoístas e aprendemos a dizer «obrigado», e quando na família
nos damos conta de que fizemos algo incorreto e pedimos «desculpa», nessa
família existe paz e alegria. Não sejamos mesquinhos no uso destas palavras,
sejamos generosos repetindo-as dia a dia, porque pesam certos silêncios, às
vezes mesmo em família, entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre
irmãos. Pelo contrário, as palavras adequadas, ditas no momento certo, protegem
e alimentam o amor dia após dia” (AL 133).
44. É nestas
opções que os princípios fundantes e os valores principais da vida familiar
ganham forma. Viver segundo um amor de entrega total, sacrificar-se pelo outro
com alegria, reconhecer que o prazer deve ser celebrado mas não idolatrado,
acolher que somos criados não para nós próprios e para os nossos interesses
individuais, mas para um bem maior, tomar consciência da necessidade de
construir o Reino de justiça e paz através da partilha dos bens são valores que
oferecem ao amor conjugal e familiar um sentido profundamente espiritual. Uma
espiritualidade conjugal e familiar cristã consiste, não em atividades
especiais, mas numa vivência do quotidiano, aprofundando a relação com Deus na
oração e deixando que ela informe as decisões e os gestos que transbordam para
a vida do mundo.
45. Não podemos terminar sem nos congratularmos com tantas famílias em
que esta espiritualidade é cultivada e vivida entre marido e esposa, entre pais
e filhos, e entre casais e famílias cristãs. Para isso contribui a pastoral
familiar nas paróquias, vigararias, arciprestados, ouvidorias e dioceses, assim
como os movimentos de espiritualidade conjugal e familiar, a quem agradecemos o
precioso contributo para a descoberta da beleza e da alegria do amor no
matrimónio cristão. São, cada um à sua maneira, uma das maiores graças que Deus
tem vindo a conceder à sua Igreja, por transmitirem o seu amor de Pai ao mundo
em que vivemos, mostrando que vale a pena procurar esse amor no vínculo que o
sacramento do matrimónio proporciona, como expressão e veículo do incondicional
e fecundo amor de Cristo pela sua Igreja e meio privilegiado de o transmitir ao
mundo.
46. Maria, que acolheu com alegria e confiança a missão de esposa e
mãe e em união com São José seu esposo cuidou do crescimento harmonioso de
Jesus em todas as dimensões, acompanhe com a sua graça e proteção os jovens e
os casais do nosso tempo, para que descubram e testemunhem a alegria e o
encanto do amor do matrimónio.
Fátima, 2 de maio de 2019
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