EUTANÁSIA: O SILÊNCIO DE TANTOS ATEMORIZA!...
Portugal
foi o primeiro Estado soberano da Europa a exarar na Constituição a abolição da
pena de morte, embora não tivesse sido o primeiro a assumir tal princípio. Foi
um passo histórico em que Portugal se tornava paladino na defesa da vida humana
como um direito fundamental inviolável. A Constituição Portuguesa continua a
proclamar que “a vida humana é inviolável”, que “em caso algum haverá pena de
morte”, que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”, que “ninguém
pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou
desumanos” (Artigos 24º e 25º). Pelo protocolo n.º 6 à Convenção para a
Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de abril de 1983,
a pena de morte foi abolida e proibida em praticamente toda a Europa. Portugal,
porém, se foi dos primeiros na defesa da vida como o primeiro dos direitos
humanos e fundamento de todos os outros direitos, tem agora, mais uma vez, quem
queira remar em sentido contrário. É um caranguejar reforçado pelo silêncio de
tantos que, embora discordando, se limitam a ver passar a banda ou se calam sob
as subserviências ideológicas, partidárias ou outras. Cento e quarenta anos
depois daquele passo civilizacional, já Portugal, em 2007, abriu as portas ao
aborto, podendo ser realizado no serviço Nacional de Saúde e em
estabelecimentos de saúde privados autorizados, facilitando, assim, a
destruição da vida de milhares e milhares de crianças por ano e promovendo a
cultura da morte. Se antes acreditara que até o mais terrível dos criminosos
poderia ser recuperado, poupando-lhe a vida, agora, abre a porta à morte dos
inocentes, dos mais frágeis e indefesos da sociedade, os que nem sequer podem
ser julgados!... Até o próprio “inverno demográfico” do país aconselharia a
respeitar mais e melhor a primavera da vida!...
Como
se isso fosse uma grande proeza civilizacional e não bastasse, há quem se
esmere agora pela eutanásia e pelo suicídio assistido! Isto é, pela provocação
intencional da morte de uma pessoa, a seu pedido (homicídio) ou por si própria
(suicídio). Para tal, faz-se crer na opinião pública que os defensores da vida
são ignorantes e retrógrados. Faz-se passar a ideia de que a defesa da vida é
uma questão meramente religiosa e, por isso, sem sentido numa sociedade
pluralista. Que é uma necessidade urgente e própria dos progressos culturais do
tempo. Que é só para casos limite e em favor de uma morte digna. Que a
dignidade da pessoa que sofre e a sua autonomia e liberdade o reclamam.
Esquece-se, porém, que a autonomia pressupõe a vida como bem indisponível e
como pressuposto de todos os direitos. Sabemos que só é livre quem vive e que a
dignidade do ser humano não depende de qualquer circunstância, é objetiva, a
doença não a diminui. Pedir que o matem ou matar-se não é um exercício da
liberdade, mas a supressão da própria raiz da liberdade. São muitos os
problemas éticos, jurídicos, médicos, morais e sociais que esta decisão
arrasta.
Eliminar-se ou eliminar a pessoa para acabar
com a dor é um absurdo, não é cuidar nem amar, pode ser consequência de quem
foge às responsabilidades de cuidar e acompanhar. Além disso, como o sofrimento
pode prejudicar a capacidade de tomar decisões, ninguém ficaria com a certeza
de que o desejo de morrer possa expressar a vontade livre e consciente do
doente em causa.
No
artigo 64ª da Constituição da República Portuguesa, os cuidados da saúde a que
todos têm direito, não podem estar à mercê da vontade dos governos de turno.
Eles revestem a natureza de uma imposição constitucional, e devem ser
realizados “através de um serviço nacional de saúde (SNS) universal, geral e
(...) tendencialmente gratuito”. E mesmo que se afirme que a eutanásia será
apenas para casos muito excecionais, há dados conhecidos que em alguns Estados em
que se liberalizou, os critérios para a sua aplicação estão em constante
alargamento, e sempre em nome da perda da dignidade da pessoa como se isso
fosse assim tão linear. Nunca a pessoa perde a sua dignidade seja qual for a
circunstância. O que será indigno é não lhe garantir os direitos já tantas
vezes repetidos de um fim de vida digno, isto é, o direito aos cuidados
paliativos que aliviem o sofrimento físico e psíquico, que lhe seja respeitada
a sua liberdade de consciência, que seja devidamente informado com verdade
sobre a sua situação clínica, o direito de decidir sobre as intervenções
terapêuticas a que se irá sujeitar, o direito a recusar a obstinação
terapêutica, os tratamentos inúteis e desproporcionados ou fúteis, o direito a
estabelecer o diálogo esclarecedor e sincero com os médicos, familiares e
amigos, o direito a receber a assistência espiritual e religiosa.
E
embora as comunidades religiosas existentes no nosso país - comunidade
Islâmica, Israelita, Budista, Hindu e Bahá’í, as Igrejas Adventista, Ortodoxa e
Católica, a Aliança Evangélica e o Conselho Português de Igrejas Cristãs -
sejam, de facto, a favor da vida, não se trata de um debate confessional ou
religioso como alguns querem fazer crer. Trata-se, isso sim, é de um combate e
debate cívico em prol dos direitos humanos. A nossa própria Constituição, que é
laica, define a vida humana como “inviolável”. A Associação Médica Mundial
reafirma o seu “firme compromisso” a favor do respeito pela vida humana,
rejeitando desta forma a eutanásia e o suicídio assistido. O Conselho Nacional
de Ética e Deontologia Médica da Ordem dos Médicos vai no mesmo sentido. A
eutanásia não é um ato médico. O doente não pode perder a confiança no médico.
Os médicos podem invocar a objeção de consciência. Ouvi há dias que há países
em que Instituições recusaram os acordos com o Estado porque este os obrigava a
aplicar a eutanásia. Destruir os outros ou a si próprio não é um direito nem um
dever, é um temível mal social do qual o Estado se pode tornar cúmplice ao insinuar
às pessoas quando e como podem ou não decidir morrer. Se assim for, de facto,
também se pode colocar a questão já por aí apresentada: qualquer um de nós,
quando se encontrar improdutivo, doente ou dependente, mesmo que no uso das
suas qualidades mentais, poderá vir a perguntar-se o que é que deve fazer da
sua vida. E pode sentir a necessidade de colocar a própria eutanásia, não como
um direito da sua liberdade ou autonomia, que nunca o será, mas como um dever
para si, para que não seja considerado um egoísta, um inútil que só dá trabalho
e despesa, um tropeço para os outros. E será que a ninguém pesará esta
responsabilidade? Nem àqueles que legislaram? Nem àqueles que não garantiram os
cuidados paliativos? Nem àqueles que fogem com os apoios financeiros?... Nem
àqueles que prescindiram da solidariedade e do amor?
O
Partido Comunista Português tem defendido o “valor intrínseco da vida”. Para
ele, a legalização da eutanásia “não pode ser apresentada como matéria de opção
ou reserva individual”. Inscrever na lei “o direito a matar ou a matar-se não é
um sinal de progresso mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional”. E
que, para além desta discussão convocar “princípios constitucionais evidentes,
como a inviolabilidade da vida humana, o direito à vida ou a responsabilidade
de o Estado assegurar e respeitar a vida humana”, não temos em Portugal “uma
situação do ponto de vista social, médico e clínico que coloque esta discussão
como prioritária ou estas medidas como absolutamente necessárias para dar
resposta a um problema social”. A solução “não é a de desresponsabilizar a
sociedade promovendo a morte antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas
sim a do progresso social no sentido de assegurar condições para uma vida
digna, mobilizando todos os meios e capacidades sociais, a ciência e a
tecnologia para debelar o sofrimento e a doença e assegurar a inclusão social e
o apoio familiar”. Não se pode classificar a morte antecipada como um “ato de
dignidade”. E embora se possam “expressar em alguns casos juízos motivados por
vivência própria, conceções individuais que se devem respeitar”, não deixa de
ser “para uma parte dos seus promotores, uma inscrição do tema em busca de
protagonismos e de agendas políticas promocionais.”
Antonino
Dias
Portalegre-Castelo
Branco, 22-11-2019.
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