ADVENTO: DO POPULISMO AO PRESÉPIO
O
tempo do Advento conduz-nos ao Natal. Se tem o sabor da expectativa, da
esperança, da preparação e da partida ao encontro de quem se espera, também tem
o sabor da vida que se disponibiliza, do coração que se abre, das rotinas que
se transformam para acolher bem quem chega.
Quem
está diante de nós para ser acolhido e Aquele de Quem vamos ao encontro, é
Jesus Cristo. Já não é um desconhecido, é verdade. D’Ele já sabemos o que a
história nos conta, o que os Evangelhos e a Comunidade Cristã nos testemunham,
o que a fé e a oração nos dão a saborear de confiança e de sabedoria. Mesmo
assim, Jesus Cristo tem sempre algo de novo a revelar a cada tempo e a cada
pessoa. Tem história e é mistério. É conhecido e sempre surpreendente. Se
misturarmos a nossa vida com a vida de Jesus, crescemos sempre. Aliás, esse é
um dos grandes desafios do Advento. Muitas vezes, talvez procuremos Jesus
apenas para que esta ou aquela situação fique resolvida. Jesus, porém,
procura-nos, vem ao nosso encontro para permanecer sempre connosco.
A universalidade do acontecimento e do
conhecimento de Jesus Cristo poderiam ter feito d’Ele apenas um fenómeno tipo
populista, isto é, um fenómeno que aparecesse, desaparecesse e se desvanecesse,
tão ao jeito dos nossos tempos. Mas, como a vida tem sempre de ser lida ”por
dentro”, percebemos melhor que a universalidade de Jesus Cristo e do seu
mistério é a expressão da verdade fundamental e da sabedoria que contém para a
vida de todos. Jesus não é apenas uma verdade universal. É, sobretudo, uma verdade
que se pode interiorizar e que se pode viver. Tem, nessa medida, outra
substância que não apenas o brilho da aparência. Talvez, por isso, no meio de
todo um universo a contracenar com a cultura light e populista, tenhamos um
pequeno e simples espaço em Belém onde Jesus nasce e por onde Jesus entra na
humanidade. Partindo daí, o horizonte é a humanidade inteira. A salvação é mais
original que o pecado. Sabendo embora que a cultura light se carateriza pela
busca da leveza e com tudo aquilo que isso reclama, também sabemos que o
populismo quase sempre manipula ou mascara os olhares e o discernimento das
prioridades. Parte de generalizações que absolutiza e incute soluções
afuniladas, muitas vezes ao arrepio da realidade. Dá soluções automáticas e não
constrói a consciência de “povo” ou de comunidade. Jesus Cristo, ao contrário
do populismo, é sempre uma história de humanização. Porque assumiu ser homem,
com Ele a humanidade vale muito mais. Assumir significa “fazer sua” a nossa
humanidade.
Então é hoje que queremos acolher Jesus. Por
muito ou pouco “passado” que tenhamos, por muito ou pouco “futuro” que
esperemos, é “hoje” que Jesus vem ao nosso encontro. É hoje que O queremos
acolher. Ele é sempre nosso contemporâneo. Como diz o Papa Francisco,
dirigindo-se particularmente aos jovens, nós somos o “hoje” e o “agora” de
Deus.
“Se
és jovem em idade, mas te sentes frágil, cansado ou desiludido, pede a Jesus
que te renove. Com Ele, não se extingue a esperança. E o mesmo podes fazer, se
te sentires imerso nos vícios, em maus hábitos, no egoísmo ou na comodidade
mórbida. Cheio de vida, Jesus quer ajudar-te para que valha a pena ser jovem.
Assim, não privarás o mundo daquela contribuição que só tu – único e
irrepetível, como és – lhe podes dar” (Francisco, CV, 109).
Ser
o “hoje” de Deus significa que nada do que é humano é estranho a Deus. Então,
encontrar-se com Jesus é reconstruir a vontade, a inteligência, os afetos,
tudo. Quando Deus assume, em Jesus Cristo, a nossa humanidade significa que
essa mesma humanidade é confirmada como o lugar onde Deus habita. E é
extraordinário que, com as nossas fragilidades, Deus constrói uma história de
amor. Nasce e atrai a Si, pastores, magos, homens de boa vontade; percorre os
caminhos da Judeia e Galileia e os que O escutam sentem-se por Ele agarrados,
sejam cegos, coxos, possessos ou gente em busca da verdade; sobe à cruz,
ressuscita e faz entender que Ele é o caminho, a verdade e a vida.
O
pequeno e simples espaço de Belém onde Jesus “teima” em nascer pode, pois, ser
hoje o coração de tantos, particularmente dos jovens a quem a Igreja quer
escutar mais e dedicar maior atenção. Parafraseando o texto da Exortação Cristo
Vive, do Papa Francisco, Deus ama-nos, Cristo é o nosso Salvador, Cristo vive.
Deixar-se iluminar e transformar pelo encontro com Cristo e com o seu Evangelho
é um desafio forte mas que todos, particularmente os jovens, podemos praticar
no dia a dia.
O
que faria Jesus se estivesse no meu lugar diante deste problema e por este
motivo? Como agiria Ele confrontado com estes problemas? Que chamamento me
faria?
Às
interrogações vai sucedendo, a passo e passo, a resposta da presença de Cristo,
presença que procurei, acolhi e me fez sentir encontrado. “O amor de Deus e a
nossa relação com Cristo vivo não nos impedem de sonhar, não nos pedem para
restringir os nossos horizontes. Pelo contrário, esse amor instiga-nos,
estimula-nos, lança-nos para uma vida melhor e mais bela (...) A inquietude
insatisfeita, juntamente com a admiração pelas novidades que surgem no
horizonte, abrem caminho à ousadia que nos impele a tomar a nossa vida nas
próprias mãos e a tornar-nos responsáveis por uma missão. Esta sã inquietude,
que surge especialmente na juventude, continua a ser a caraterística de
qualquer coração que permanece jovem, disponível, aberto. A verdadeira paz
interior convive com esta profunda insatisfação. Dizia Santo Agostinho:
«Senhor, criastes-nos para Vós e o nosso coração não descansa enquanto não
repousar em Vós» (Francisco, Cristo Vive, 138).
E
se este Advento culminasse numa história de amizade mais profunda com Jesus
Cristo no Natal? E se deixássemos crescer ainda mais em nós a vontade de viver
de Cristo e de experimentar os seus caminhos? E se ousássemos mais caminhos de
fraternidade? E se nos comprometêssemos mais e fossemos corajosos anunciadores
d’Aquele com Quem nos comprometemos?
A
exuberância das nossas manifestações exteriores, para ser autêntica, está na
saúde da raiz que, discretamente, nos alimenta porque nos liga ao que pode dar
a vida. Vamos, seguramente, encontrar um lugar, dentro de nós, para acolher
Cristo. O lugar que Maria e José tanto procuraram somos nós!
Antonino
Dias
Portalegre-Castelo
Branco, 29-11-2019.
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