DOM JOÃO LAVRADOR - MENSAGEM DA QUARESMA - 2020

«Deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus» (Rom. 12, 2)

Em cada ano, como preparação para a celebração do mistério da Páscoa de Jesus de Nazaré, o povo cristão é convidado à renovação profunda do seu ser, tomando consciência da graça baptismal que recebeu, a fortalecer a comunhão com Jesus Cristo que Se entrega para que o mundo seja salvo e a envolver-se mais na missão evangelizadora e na partilha fraterna.

Deste modo, o mistério pascal do Filho de Deus é celebrado no hoje da nossa história concreta, com as suas esperanças e frustrações, com os seus sonhos e com as suas desilusões; entre ambição de paz e focos imensos de guerra; no desejo da igualdade e de fraternidade e a realidade da pobreza e da violência que invade a nossa sociedade; num sonho de cultura da vida e no individualismo atrofiante que se projecta na cultura da morte; no emaranhado de um progresso que sem Deus se volta contra o homem criando guetos de exclusão.

Como afirma o Santo Padre na Mensagem que publicou para esta quaresma, «a Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre actual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em muitas pessoas que sofrem» (nº 1).

Na verdade há necessidade de renovarmos a nossa mente, urge uma transformação pessoal e social e importa colocarmo-nos nas sendas da Sabedoria que nos fazem discernir a vontade de Deus que nos oferece o melhor bem para toda a humanidade.

Este é o tempo favorável para a conversão. Esta expressão que se reveste de estranheza para a mentalidade actual mas tão necessária para quem queira viver na verdade acerca da pessoa e do mundo em que vive.

De facto, a conversão que tem no crente e sobretudo no cristão o horizonte de um despojamento de si mesmo para se encontrar mais com o Homem Novo comungando da Vida Nova do Ressuscitado, deve merecer também da parte da pessoa que porventura não siga as orientações da fé cristã mas que seja coerente com a sua consciência a necessidade de transformar a sua vida para que seja mais humana, mais fraterna, atenda mais à justiça e à paz, estabelecendo relações de integração dos excluídos, de partilha e de valorização da dignidade da pessoa e do bem comum.

Sendo este tempo quaresmal, por excelência um tempo de renovação da condição baptismal de todo o cristão, neste ano cujas leituras a proclamar em cada domingo nos oferecem a Palavra, os gestos e os sinais que nos ajudam a viver em profundidade o baptismo que recebemos, pedia uma maior atenção e valorização da Palavra de Deus e dos Sinais que Ela própria oferece para uma consciencialização maior do ser e da missão de todos os baptizados.

Seguindo o texto já citado do Papa Francisco, reconhecemos que quanto mais nos deixarmos envolver pela Palavra de Deus, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós (Cfr.Ib., 2).

Convido em cada comunidade cristã a definirem-se as diversas etapas que são sugeridas pela vivência de cada semana, como itinerário progressivo de conversão e de interiorização do mistério revelado em Jesus Cristo.

A oração mais intensa e cuidada e o sacramento da reconciliação devem merecer a atenção privilegiada da comunidade cristã, de cada cristão e dos sacerdotes. Neste sentido, peço aos sacerdotes que, neste tempo, dediquem o máximo de esforço à formação das consciências pela proclamação da Palavra de Deus e se disponibilizem para atender todos aqueles que se abeirem do sacramento da reconciliação.

Sendo um tempo de penitência, de conversão, de ascese e de configuração a Jesus de Nazaré, é tempo de Esperança porque, tal como lemos na referida Mensagem, «não obstante a presença do mal, por vezes até dramática, tanto na nossa existência como na vida da Igreja e do mundo, este período que nos é oferecido para uma mudança de rumo manifesta a vontade tenaz de Deus de não interromper o diálogo de salvação connosco» (nº  3).

A nossa diocese, em plena caminhada sinodal, reconhece que quando somos chamados a viver «a beleza de caminharmos juntos em Cristo» estamos a situar-nos na exigência de uma mais aprofundada consciência de participação activa de todos os baptizados na vida e na missão da comunidade cristã à qual pertence. Este tempo de vivência quaresmal, como preparação para a celebração da Páscoa de Jesus Cristo, motiva-nos para uma caminhada sinodal ainda mais lúcida, urgente e decidida.

Não podemos viver este tempo de mudança de mentalidade e de conformidade com a vontade de Deus, sem nos colocarmos no mundo em que vivemos e na obrigação de atender aos mais desfavorecidos.

Neste sentido, o nosso modo de vida, na austeridade e na ascese, no limitar o consumo e a viver no essencial para uma vida digna, coloca-nos na direcção de proteger o ambiente e de assumirmos modos de vida saudáveis; mas igualmente o dever de partilha com os que sofrem necessidades também materiais.

Na nossa diocese, sentimos a dor e comungamos com o sofrimento dos nossos irmãos do Capelo, Ilha do Faial, pelo nefasto incêndio que devorou a sua Igreja com riquíssimo património. Tendo em conta o sentir dos diocesanos, determino que o resultado da renúncia quaresmal se destine à comunidade do Capelo para ajudar na recuperação da sua Igreja Paroquial. Que todos sejamos generosos nesta partilha com os nossos irmãos.

Termino, evocando novamente o Papa Francisco que, na sua Mensagem já citada, nos afirma que «também hoje é importante chamar os homens e mulheres de boa vontade à partilha dos seus bens com os mais necessitados através da esmola, como forma de participação pessoal na edificação dum mundo mais justo» (nº 4). E, acrescenta dizendo que «a partilha, na caridade, torna o homem mais humano; com a acumulação, corre o risco de embrutecer, fechado no seu egoísmo» (nº 4).

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que peregrina com a Igreja que vive da experiência do Mistério Pascal de Jesus Cristo, Seu Filho, que nos abençoe e nos faça progredir na santidade para generosamente abraçarmos os caminhos da conversão pessoal e comunitária.

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores

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