ENTREVISTA DO NOSSO OUVIDOR AO ATLÂNTICO EXPRESSO

AE - Quais os desafios que se colocam hoje à sua Ouvidoria?

PRP - Temos vindo a assistir, nas últimas décadas, a um envelhecimento progressivo da população. Por isso, penso que o grande problema desta zona é o envelhecimento das nossas comunidades e a saída dos nossos jovens formados para o estrangeiro e para os grandes centros urbanos da ilha. 

A Ouvidoria da Povoação, neste momento, acaba por ser a mais periférica da ilha de São Miguel, o que nos prejudica no que diz respeito a uma maior participação nos encontros formativos organizados pelos serviços de ilha. Os encontros são muito centrados em Ponta Delgada – o que não é de estranhar. Notamos que tem havido um esforço dos serviços diocesanos em se deslocarem às periferias, o que é muito bom e digno de registo. Infelizmente, nem sempre é fácil sair de casa, com sentimento de segurança, num dia de inverno chuvoso. O nosso historial de catástrofes naturais deixa-nos sempre apreensivos…

O maior desafio está no saber promover a acção dos leigos. Precisamos de cristãos mais formados para que se tornem verdadeiramente empenhados e corresponsáveis na organização pastoral das comunidades. Não é possível evangelizar se não se é evangelizado.

AE - Como sente a Ouvidoria a celebrar 100 anos?

PRP - Tem sido uma experiência surpreendente e ao mesmo tempo pedagógica. Surpreendente porque não esperávamos que estas comemorações gerassem tantas sinergias com todas as instituições, inclusive não religiosas; pedagógica uma vez que tem servido para que as comunidades percebam que, numa Ouvidoria tão pequena e dispersa como a nossa, cada vez mais se torna imperioso unir esforços, tendo sempre presente que fazemos todos parte de uma unidade pastoral. Quando as paróquias, não perdendo a sua identidade, é certo, abraçam o desafio de sair das suas fronteiras, rentabilizam-se recursos humanos e alcança-se um sonho de Jesus: partilha.

Este objectivo tem sido conseguido sem grandes esforços, pelo menos no que diz respeito às comemorações do centenário, uma vez que todas as paróquias têm aderido com muita alegria a esta efeméride.

AE - Quais as principais transformações que foram acontecendo ao longo deste século na Ouvidoria e como foi esta ultrapassando as mesmas?

PRP - As transformações que se deram ao longo deste século de existência, sejam elas de índole social, religioso, político ou económico, foram amplas, rápidas e profundas.

Em cem anos, encontramos um regime anticlerical (que muito fez sofrer a Igreja e o Clero), passamos para uma ditadura e, felizmente, vivemos agora num regime democrático. Só neste aspecto político, entramos num oceano imenso de histórias lindas que nunca ficarão escritas nos livros de história.

Em cem anos, passamos de uma sociedade predominantemente rural, monolítica e sacral, com pouca instrução, para uma sociedade mais participativa e criativa, mas, também, mais dessacralizada. Neste aspecto, é um orgulho para nós, enquanto Ouvidoria, saber que esta mudança, se deu no seio da Igreja com a criação da Fundação Maria Isabel Carmo Medeiros, que tinha a seu cargo o Externato da Povoação sob a orientação do nosso segundo Ouvidor, o Mons. João Maurício Amaral Ferreira. Ainda em tempo do Estado Novo já o Externato da Povoação trabalhava com afinco para que todos tivessem acesso ao ensino, independentemente das condições económicas.

No entanto, em vez de continuar a elencar um sem número de acontecimentos que transformaram a nossa Ouvidoria, preferimos recordar uma passagem da Carta aos Hebreus: Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e por toda a eternidade.” A mensagem é sempre a mesma, as formas de a apresentar aos corações dos homens e mulheres de todos os tempos e lugares é que vai variando.

AE - Há quem diga que os templos estão vazios. Sente isso na sua Ouvidoria? Considera que esta situação poderá estar relacionada com uma alteração do exercício da fé cristã ou trata-se de uma falta de adaptação por parte de Igreja aos novos desafios das sociedades?

PRP - É evidente que as igrejas nos Açores estão muito mais vazias e a Ouvidoria da Povoação não é excepção. Este fenómeno deve-se, em grande parte, à emigração, mas, a meu ver, deve-se principalmente à falta de compromisso que manifesta na cultura actual.

Se formos honestos, verificaremos que não são só as igrejas que estão mais vazias: as instituições nas nossas freguesias também encontram dificuldades em conseguir gente para as suas direcções, as filarmónicas têm dificuldades em cativar os mais jovens, as associações desportivas têm de fazer um grande esforço para desinstalar os sócios e os jovens, a nível político há um desinteresse bastante generalizado (basta analisar a abstenção), ou seja, actualmente é muito difícil arrancar as pessoas dos seus sofás e da frente da televisão/computador. Vive-se um tempo de um grande comodismo fruto de um individualismo que se sobrepõe ao bem-comum.

A Igreja e a própria sociedade são vítimas deste egoísmo.

Com tudo isto não pretendo ilibar a Igreja das suas responsabilidades; por vezes continuamos com um discurso demasiado “velho” para dar respostas a problemas completamente novos. Mas, repito, não julgo ser esse o principal problema da falta de prática religiosa.

AE- Os fiéis açorianos continuam crentes?

PRP - Sim, os açorianos continuam bastante religiosos, o que não significa que sejamos bons cristãos, uma vez que ser Cristão implica seguir Cristo e viver o seu projecto.

AE - Como tem a sua Ouvidoria sentido os problemas sociais locais?

PRP - Graças a Deus na nossa Ouvidoria existem várias instituições que procuram dar resposta aos problemas sociais que vão surgindo: Santa Casa da Misericórdia, Centros Sociais e Paroquiais e o Grupo da Cáritas.

Também a nível do poder local, verdade seja dita, nota-se em todas as paróquias uma grande preocupação em atenuar os efeitos da crise, integrando muitas pessoas em projectos sociais.

No entanto, conversando com a Assistente Social do Centro de Saúde da Povoação no início desta semana, o que nos vai valendo em quase todas as paróquias da Ouvidoria é a vizinhança de proximidade que dá uma resposta rápida a situações desconhecidas pelas instituições. Tenho conhecimento de histórias lindas pela simplicidade e naturalidade com que acontecem. Os vizinhos têm sido uma mais-valia muito notória contra a fome e a solidão dos idosos. Esta cultura profundamente cristã tem sido bastante incentivada pelo clero ao longo desses anos, mas mais ainda neste Ano da Misericórdia em que as Obras de Misericórdia são um tesouro a redescobrir.

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